Pulo do Lobo

Um blog para os apreciadores do silêncio ...

Nome:
Localização: Neta, Alentejo, Portugal

quarta-feira, novembro 30, 2005

O autêntico


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Este é que é o verdadeiro Pulo do Lobo !!!!!

Zé da Neta

70 anos


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tinha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E a tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto

F. Pessoa

terça-feira, novembro 22, 2005

Noites gélidas


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alema que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de Inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noites de balada;
Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas las forrada,
Recorda-me a elegância, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingénua e delicada.

C. Verde

Intermitências ...


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

"Não temo a morte nem passo os dias com essa preocupação, mas sim, sou consciente dela. Tenho a idade suficiente para dizer que sou velho, 83 anos, mas vivo como se tivesse 75, que é uma idade maravilhosa. Chego, mesmo, às vezes, a viver como se tivesse 62 anos. E em raras ocasiões, como se tivesse 18".

J. Saramago

sexta-feira, novembro 18, 2005

O anti-ideólogo


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Penso exactamente o contrário do que o título pretende transmitir . O que melhor caracteriza os políticos actuais é a extrema capacidade de adaptaçao ao "status quo" , vulgarmente denominado por "jogo de ancas".O facto de fulano ou sicrano ser ou nao um ideólogo nao sacraliza ou dessacraliza a sua relaçao com o eleitorado. Antes pelo contrário! A apresentaçao de um manifesto eleitoral sempre que alguém se "oferece" ao serviço público traz os ideólogos ou os pragmáticos para o chao terreno. A recusa das ideologias como atitude políticamente correcta é também patética e perigosa. Normalmente conduz ao nihlismo de massas que facilmente descamba em violência urbana. Aqueles fazedores de opiniao que se contentam com a espuma das ondas deveriam aconselhar-se amiúde com quem já viveu mais do que o que leu. No entanto aproveito para saudar o futuro Presidente da República de Portugal até porque foi o primeiro a trazer o Pulo do Lobo para as "bocas do mundo".

terça-feira, novembro 15, 2005

Sabedoria


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte
quando Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte
quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.

J. Régio

Houdini


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Em 17 de Maio de 2005 escrevi o seguinte "Talvez fosse tempo de percebermos os ismos dos dias que correm. Na minha opiniao , ainda que involuntariamente, a generalidade das massas urbanas sao cada vez mais nihlistas. Talvez do tipo existencialistas mas sempre nihlistas. Para quem como eu, que cada vez vai tendo menos ilusoes, o que resta é quase nada. Desculpem esta nota de pessimismo mas a falta de perspectiva "positiva" (concreta,)para as actuais geraçoes dos 30 e tais e 40 e tais,obrigam a repensar o conceito de comunidade no que ela tem de mais próxima com a frustraçao colectiva. Os surpreendentes níveis de violência doméstica e urbana sao uma primeira consequência. A seguir far-se-á a caça às bruxas. Os políticos que se cuidem, pois o povo de brandos costumes já foi chao que deu uvas."

Até eu próprio fiquei impressionado quando reli estas linhas.

Semiótica


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

A semiótica é uma ciência do século XX, mais precisamente dos meados do século. Saussure afirma no início do século que ainda não existe uma ciência cujo objectivo fosse o estudo da vida dos signos no seio da vida social. Mas reivindica o direito à existência de tal ciência, "que estudaria em que consistem os signos, que leis os regem", e propõe desde logo o nome de semiologia (do grego semeion, "sinal") para a designar. Em 1956 no ensaio "O Mito, Hoje", incluído em Mitologias, Roland Barthes constata que "a semiologia postulada por Saussure há uns quarenta anos ainda não está constituída" . Segundo Georges Mounin a concepção saussureana de semiologia – a de uma semiologia da comunicação, contraposta à semiologia da significação de Barthes – só na década de sessenta viria a ganhar corpo com a obra de Buyssens e Prieto5. O próprio Buyssens escreve na introdução à sua obra que "a história da semiologia não é longa. Antes de Saussure, encontram-se, sobretudo entre os lógicos, observações gerais referentes aos signos ou aos símbolos. (...) Desde Saussure até à Segunda Guerra Mundial, só houve um ensaio de semiologia que ultrapassasse as banalidades encontráveis em qualquer obra a respeito da linguagem, a saber Le parallélisme logico-gramatical de Charles Serrus" . Também Charles Sanders Peirce (1839-1914), para quem a semiótica era, enquanto doutrina formal dos signos, apenas um outro nome da ciência da lógica, e que a par de Saussure é considerado um dos pais da semiótica contemporânea, apresenta-se como pioneiro da nova ciência. Mas apesar dos esforços de Peirce na sistematização da nova ciência, em 1938 Charles Morris declara que apesar de "os signos nunca terem sido estudados tão intensamente, por tantas pessoas de tantos pontos de vista, (...) ainda falta uma estrutura teórica, simples nas suas linhas gerais, mas suficientemente compreensiva para abranger os resultados obtidos de diferentes pontos de vista e uni-los num todo consistente" . O seu intento é, daí, esboçar a novel ciência, a teoria dos signos ou semiótica; traçar-lhe fragmentariamente os contornos, pois que uma apresentação cabal seria à altura impossível em parte devido ao incipiente desenvolvimento da mesma. Pode-se então dizer "que existe desde o princípio do século a proposta de uma teoria geral dos signos" e que essa proposta se vem realizando desde meados do século. Esta realização tornou-se visível não só ao nível das publicações, mas também ao nível das instituições necessárias à identificação de uma ciência. Como escreve Jürgen Trabant "só se pode considerar que uma disciplina científica tem existência oficial quando se dota a si mesma de insígnias institucionais como uma associação ou um jornal ou quando existem já institutos científicos com o nome dessa disciplina." Ora segundo este mesmo autor, a semiótica dispõe desde os finais dos anos sessenta dessas instituições: em 1969 foi criada a International Association for Semiotic Studies e iniciou-se a publicação do respectivo órgão científico Semiotica (Haia). Enfim, para alguém se dar conta de quão recente é a semiótica basta abrir um qualquer dos manuais universitários da disciplina de semiótica. Aí aparece invariavelmente a semiótica como criação científica do século XX. A temática estudada pela semiótica, porém, não é recente. O estudo dos signos é tão antigo como o próprio pensamento filosó-fico. Efectivamente não é outra a tese a retirar dos estudos de Ernst Cassirer na sua Filosofia das Formas Simbólicas, nomeadamente quando mostra que a questão da linguagem, e concomitantemente a dos signos, é tão antiga como a questão do ser. Testemunho dessa antiguidade é claramente o diálogo Crátilo de Platão. A questão sofista da exactidão dos nomes, é retomada a propósito da relação entre nomes e coisas: É essa relação natural, ditada pela natureza do ser e da língua, ou meramente convencional? A posição de Crátilo, a de uma correspondência entre as palavras e os entes, é ironicamente destruída por Sócrates. Mas também a tese defendida pelo opositor de Crátilo, Hermógenes, a de que essa relação é fruto da arbitrariedade, não obtém o assentimento de Sócrates. Pelo contrário, embora não haja uma relação similar directa entre a coisa e nome, há uma relação mediata mais profunda. No processo dialéctico do conhecimento, a palavra constitui como que um veículo para se alcançar o conteúdo significativo dos ideias puras. Esta concepção do função dialéctica da linguagem é desenvolvida por Platão na Sétima Carta. Aí apontam-se quatro níveis de conhecimento do objecto: o nome, a definição, a imagem e a ciência. Platão dá o exemplo do círculo. Sobe-se dialecticamente até ao conhecimento da sua essência, primeiro mediante a nomeação, segundo através da definição, isto é, explicando o significado pelo nome ao determiná-lo como a figura que tem as extremidades a uma distância perfeitamente igual do centro, terceiro pela imagem, seja pelo desenho que se traça na areia e que se apaga, seja pela forma que se molda num torno. Nenhuma destas formas de conhecimento alcança o verdadeira essência do círculo, pois que se situam no âmbito do devir e não do ser. Mas só mediante elas se chega ao quarto nível do conhecimento, à ciência. O verdadeiro saber não é com efeito de natureza simbólica, mas só simbolicamente se acede a esse saber. Por seu lado, Tzvetan Todorov, ao estudar a origem da semiótica ocidental, vai ao ponto de chamar a Agostinho de Hipona o primeiro semiótico. Todorov considera que as considerações de Sto Agostinho sobre os signos são os primeiros estudos a obedecer aos dois critérios que em seu ver delimitam a semiótica. Em primeiro lugar, os estudos de Sto Agostinho têm claramente propósitos cognitivos; o objectivo de Sto Agostinho é nesse campo o conhecimento e não a beleza poética ou a pura especulação. Em segundo lugar, Sto Agostinho estuda os signos em geral e não apenas os signos linguísticos. Ora Sto Agostinho, como nota Todorov, não inventou a semiótica, ele fundamentalmente preocupa-se em compilar as teorias já existentes, sobretudo as doutrinas dos estóicos sobre os signos. Sto Agostinho fornece à vez duas definições de signo que, na opinião de Todorov, contemplam o plano semântico e o comunicacional. A primeira definição de signo assenta na sua função designativa ou representativa: "Um signo é o que se mostra a si mesmo ao sentido, e que, para além de si, mostra ainda alguma coisa ao espírito." (De Dialectica). Ao apresentar-se directamente aos sentidos, o signo oferece mais que a sua presença, ele apresenta ao espírito algo que está ausente aos sentidos. O que caracteriza pois o signo é a mediação representativa ou designativa que faz de um terceiro. A esta dimensão semântica do signo junta Agostinho a dimensão comunicacional. "A palavra é o signo de uma coisa que pode ser compreendida pelo auditor quando é proferida pelo locutor". A introdução da dimensão comunicacional na análise sígnica constitui, segundo Todorov, uma novidade da incursão agostiniana nos domínios semióticos. Essa dimensão não se encontra nem em Aristóteles nem nos estóicos. Mas é justamente a introdução da dimensão comunicacional que leva Agostinho a uma análise sobre o signo diferente e mais complexa que a dos estóicos. Os estóicos dividiam o signo em três elementos: o significado, o significante e o objecto. Sto Agostinho apura agora quatro elementos constituintes do signo: a palavra (verbum), o exprimível (dicibilis), a expressão (dictio) e a coisa (res). Estabelecendo uma correspondência com a terminologia estóica verifica-se que em Agostinho parece existirem dois termos, verbum e dictio, para designar o significante. A explicação avançada por Todorov, é que a análise agostiniana faz a distinção entre o sentido do processo de comunicação e o do processo de significação. Um é o sentido vivido, o sentido que o locutor transmite ao ouvinte; esse é o sentido dizível. A dictio, por seu lado, aponta para o mero sentido semântico ou referente. Todorov sugere, portanto, que dictio não se encontra tanto ao nível do significante como do significado. Obviamente não se trata de fazer aqui uma exposição detalhada da "semiótica agostiniana", para isso haveria que ir às fontes e não nos quedarmos pela exposição de Todorov; o que importa aqui salientar é, isso sim, a antiguidade da temática semiótica e, simultaneamente, a profundidade de alguns estudos antigos sobre essa matéria. Outros exemplos de investigações semióticas encontram-se também em pensadores medievais, renascentistas e modernos. Na filosofia portuguesa mereceriam atenção particular as Summulae Logicales de Pedro Hispano, o Tratactus de Signis de João de São Tomás e as Institutiones Dialecticae de Pedro da Fonseca. Se a temática semiótica é tão antiga como o pensamento filosófico e se ao longo dos séculos ela tem sido investigada por vezes com bastante profundidade, então é com certeza pertinente a questão sobre a justeza da reivindicação, atrás referida, do estabelecimento contemporâneo da semiótica enquanto ciência. Constituem os estudos semióticos no século XX mais do que uma continuação dos estudos efectuados nos séculos passados? Onde e em quê reside a novidade que legitima a fundação da semiótica qua ciência no século XX? São dois os factores que, a meu ver, demarcam os estudos semióticos contemporâneos face aos antigos e, simultaneamente, instituem a semiótica como ciência. O primeiro factor é a definição do lugar dos estudos semióticos no contexto dos estudos científicos: a semiótica é enquadrada epistemologicamente. Anteriormente as investigações semióticas integravam-se em contextos tão diversos como os da teoria do conhecimento, da lógica, da ontologia, da estética ou da teologia. Não tinham uma autonomia científica. Ora o que caracteriza, por exemplo, a fundação saussureana da semiologia é, antes de mais, o estabelecimento exacto da mesma no conjunto das ciências. A semiologia é a ciência geral dos signos que se integraria na psicologia social e, consequentemente, na psicologia geral; na semiologia integrar-se-ia por sua vez a linguística enquanto ciência específica dos signos linguísticos. A semiologia fica assim delimitada a montante e a jusante na árvore das ciências. O facto de o enquadramento psicológico da semiologia por Saussure não colher, nem tão pouco nas suas próprias investigações linguísticas, não constitui uma objecção à novidade que representa esse enquadramento epistemológico. A mesma preocupação de fixar epistemologicamente a semiótica encontra-se na escola americana. Ao encarar a semiótica como ciência do signos, Peirce concebe-a como a ciência geral que, à maneira da mathesis universalis leibniziana, engloba todas as outras ciências. A semiótica é uma fisiologia das formas constitutivas de todo o pensamento que procura sobretudo elaborar enquanto gramática especulativa uma teoria fenomenológica dos signos. Também Morris, ao estabelecer em 1938 os fundamentos de uma teoria dos signos, tem como preocupação primeira, demarcar o lugar da semiótica no conjunto das ciências. Aliás o já referido trabalho de Morris constitui o segundo subsídio para a Enciclopédia da Ciência Unificada. Morris determina logo nas primeiras páginas o lugar da semiótica: "A semiótica tem uma dupla relação com as ciências: ela é simultaneamente uma ciência entre as ciências e um instrumento das ciências.(...) é uma ciência coordenada com as outras ciências, estudando as coisas ou as propriedades das coisas na sua função de servir se signos e é também o instrumento de todas as ciências, na medida em que cada ciência faz uso e exprime os seus resultados em termos de signos" . Na esteira de Peirce, Morris apresenta, assim, a semiótica enquanto ciência geral dos signos como organon da meta-ciência (a ciência da ciência) "na medida em que cada ciência faz uso e exprime os seus resultados em termos de signos". Morris serve-se da argu-mentação de Carnap exposta em "Empirismo Científico", que constituíra o 1º volume da Enciclopédia, para fundamentar a reivindicação da semiótica a organon da ciência. Carnap argumentara ser possível incluir sem excepção o estudo da ciência no estudo da linguagem da ciência dado o estudo dessa linguagem implicar não só o estudo da sua estrutura formal (sintaxe), mas também a sua relação com os objectos designados (semântica) e com as pessoas que a fazem. Morris acrescenta então que "um estudo da linguagem da ciência tem de usar signos referindo-se a signos e que cabe à semiótica fornecer os signos relevantes e os princípios para levar a cabo esse estudo. A semiótica fornece uma linguagem geral aplicável a qualquer espécie de linguagem ou signo, e, assim, é aplicável à linguagem da ciência e aos signos específicos que são usados na ciência". É aliás nesta senda da compreensão da semiótica como verdadeira ciência primeira (a prima philosophia cartesiana), que Morris remete muitas das problemáticas filosófico-epistemológicas para a semiótica. Morris vai mesmo ao ponto de reduzir a lógica, a matemática e a linguística à semiótica. O lugar da semiótica no conjunto das ciências é, assim, claramente o primeiro, no sentido aristotélico ou cartesiano de primeira ciência. O outro factor importante na instituição contemporânea da semiótica foi indubitavelmente a sua sistematização. Hoje a semiótica como qualquer ciência estabelecida subdivide-se em disciplinas. A divisão mais corrente é justamente a avançada por Morris: sintaxe, semântica e pragmática. Se, por um lado, estas subdisciplinas tendem cada vez mais a autonomizar-se e mesmo a entrar pelos campos das disciplinas vizinhas, mostrando a fluidez das fronteiras científicas, por outro, nunca as relações entre os diferentes campos semióticos foram cientificamente tratadas como acontece hoje. Os séculos passados forneceram excelentes análises sintácticas e semânticas, mas só no século XX as relações entre os campos sintáctico e semântico foram cientificamente tematizadas. Quanto ao campo pragmático, ainda que de certo modo tematizado na retórica clássica, só no nosso tempo viu reconhecida a sua crucial importância para toda a semiótica. A sistematização da semiótica enquanto acto científico é acompanhada obviamente por uma compendiação escolar da mesma. Os manuais de semiótica, as obras de introdução, multiplicam-se. A semiótica estabeleceu-se definitivamente como disciplina curricular de diversos cursos superiores. Esta é a imagem mais visível da sistematização da semiótica e que, last but not least, a justifica como ciência do século XX, apesar da sua tradição milenar.

segunda-feira, novembro 14, 2005

As margens do Reno


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Ainda que mais bonita a Heidi nao deixa de ter algumas parecenças com a Claudia. A prová-lo esta fotografia. Sendo ambas naturais desta regiao do Mundo é caso para nos interrogar-mos quanto à influência das margens do Reno na beleza destes rebentos. Ou serao as águas fluoretadas ? Ficaremos sempre na dúvida .

Klum


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Hoje cruzei-me contigo Heidi. Foi no final da KönigsAllee. Estavas a falar com a dona da padaria onde costumo comprar o meu pequeno almoço. O Seal estava contigo e transportava uma criança que presumi ser teu filho. Apesar de mae recente continuas a irradiar simpatia e beleza. Continuas a ser a minha preferida ainda que nao saibas disso. O James Blum pensou em ti quando gravou aquela música que anda aí na berra.

What is Opus Day ?


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

First, it is not the nefarious secret society portrayed in The Da Vinci Code. It is a mostly lay group of both men and women devoted to spiritual excellence, although several thousand priests belong. The movement was founded in Madrid in 1928 by Josemaria Escriva (1902-75), a charismatic Spanish priest whose 1939 book, The Way, is considered a spiritual classic by his devoted followers. From the beginning, Escriva targeted top students at universities, and Opus Dei (which means “the work of God”) soon acquired a reputation for elitism. (Today, there are 15 Opus Dei universities, including some of the finest in Spain.) Escriva claimed that God revealed to him the way for ordinary people to become saints, not by renouncing the world, but by excelling in it. The group purports to school members in spiritual practices that enable them to sanctify their lives and their secular work. In being the best laundress or surgeon or lawyer you can be, you are doing God's work, not just pursuing worldly goals. Opus Dei's avid proponents believe that shirt collars are more diligently laundered in Peru, and toilets more faithfully scrubbed in Indiana because of the difference the conservative religious organization makes in the lives of its 85,000 adherents worldwide.
Idealism should not be discounted as the secret of the movement's appeal. Aspirants join because they have discovered a religious vocation: They want to become saints. As a Catholic organization, Opus Dei is somewhat anomalous. In many ways, it is structured like a religious order (such as the Jesuits or Franciscans), and it is led by clerics. Like those in religious orders, members take a vow of obedience, which Opus Dei calls a “contract.” Much of the group's spiritual discipline—including daily Mass and prayer, regular instruction from a spiritual “director,” weekly confession, and, for some, “mortifications” (self-flagellation)—evokes the stringency common in religious orders before the reforms of the Second Vatican Council (1962-65). And like priests and women religious, Opus Dei's core adherents, who are called “numeraries” and number roughly 16,000, are celibates who live segregated by gender in Opus Dei residences. At the same time, however, the group thinks of itself as a lay movement—most of its members, whether celibate or not, are not ordained and continue to pursue secular occupations—and the movement criticizes the “clericalism” of Catholics who expect the clergy to do the heavy spiritual lifting for them. Opus Dei claims to have anticipated the Second Vatican Council's “universal call to holiness,” a dramatic shift away from the Church's historical emphasis on the superior spiritual dignity of the ordained priest in contrast to that of the layperson. Yet skeptics argue that the group, whose piety and theology are very traditional (celibacy is rarely a secular vocation), operates like a sectarian movement, or even a cult, and has set itself up, with the connivance of the Vatican, as a “church within the Church.”
Because Opus Dei transgresses traditional boundaries separating clerical and lay life, the Church had difficulty finding the right canonical status for the organization. Officially, it is the Catholic Church's only “personal prelature.” The movement's head, a bishop, resides in Rome, and members place themselves, for the purpose of spiritual formation, under his authority. Therefore, Opus Dei enjoys a kind of “extraterritoriality” from local dioceses and their bishops that is usually granted only to religious orders of priests and nuns. This unusual status has increased the organization's independence—and its critics' suspicions.
Suspicions about the group's allegedly eccentric character were confirmed for some by the spy scandal surrounding Robert Hanssen, which included a bizarre, voyeuristic, sexual dimension as well. Hanssen and his wife were “supernumerary” members of Opus Dei. Supernumeraries comprise the bulk of Opus Dei's membership (affiliation is also available as an “associate” or “cooperator”). Most supernumeraries are married, and their spiritual practice mirrors that of celibate numeraries. Hanssen actually confessed his spying to an Opus Dei priest. In a good example of why Opus Dei's myopic spirituality is worrisome, the priest told Hanssen to stop spying and to give his blood money to charity, but not to turn himself in. His family—at one level Opus Dei is all about (large) family values—came first.
Opus Dei's reconciliation of Catholic supernaturalism with modern economic and professional accomplishment—Hanssen was a computer whiz—confounds expectations. On the one hand, the group's valorization of worldly achievement and economic individualism has a Protestant feel to it. Historically, material success was a sign of divine election, of God's blessing, within Protestantism. Max Weber, of course, linked the Protestant ethic with the rise of capitalism. Sociologist Joan Estruch (Saints and Schemers, 1995) has applied that analysis to Opus Dei, exploring how its discipline of hard work, thrift, and devotion to educational excellence has appealed to elites in Catholic cultures, like Spain's, undergoing modernization.
Many Catholics in Europe and in the United States regard the movement as politically reactionary, extreme in its spiritual and worldly ambition, and devious. The group's manner of “recruiting,” especially of college students, has been criticized as overbearing or worse. There is even an organization, the Opus Dei Awareness Network, dedicated to exposing the group's methods. But Opus Dei has its admirers, who see it as a defender of traditional moral values, especially of the family, as well as a providential source of evangelical enthusiasm, orthodoxy, and unquestioned loyalty to Rome. Chief among those admirers was John Paul II, who presided over the speedy canonization of the movement's founder. Critics, however, saw Escriva's 2002 canonization as a sure sign of the organization's ill-gotten wealth and malign influence.
These conflicting views form the background to the story John Allen tells. On the whole, Allen thinks Opus Dei has been more sinned against than sinning. He compares the group's stringency to acquiring a taste for Guinness Extra Stout, and wants to give the organization (and Extra Stout) every benefit of the doubt. For example, he rejects objections raised over Escriva's hasty elevation to sainthood by two veteran observers of the Church, Kenneth Woodward, former Newsweek religion editor, and Cambridge historian Eamon Duffy. “The canonization of the founder of Opus Dei is the most striking example in modern times of the successful promotion of a cause by a pressure group,” Duffy insisted. Woodward called it “a scandal.” Escriva's authoritarian temperament and sometimes violent behavior were never fully investigated by the Church, say critics.
Allen argues that those promoting Escriva's cause mastered the bureaucratic procedures and outworked their opponents. “Opus Dei may have played hard and fast, but they played by the rules,” he writes. Opus Dei had the financial resources to press Escriva's case and, most important, the strong support of John Paul II. Where critics saw a miscarriage of justice, one that brought the Church's claims to speak the truth into question, Allen sees a clash of worldviews and a failure to understand how the Vatican operates. On the question of Escriva's sanctity, which is after all the heart of the matter, he cops a plea.
Too often, the “objective look” promised in the book's subtitle means leaving things at the he-said, she-said level. Amassing an enormous amount of testimony, if not evidence, Allen examines a long list of Opus Dei's alleged offenses, including its social elitism, secrecy, nefarious influence in the Vatican, conservative secular politics, manipulative methods of indoctrination, gruesome physical mortifications, pursuit of wealth, and sexist treatment of women. In nearly every instance, Allen judges the organization to be as much a force for good as for ill. In short, Opus Dei's bad rep is largely the result of poor communication.
In making his case, Allen wants to remind readers that a good deal of religious belief and practice is only understandable when considered from a variety of perspectives, what he calls a Rashomon approach, after the 1950 Kurosawa film in which a disputed event is recalled in wildly different ways by different participants. That judgments about disputed questions “come down to matters of interpretation” and “different frames of reference” are insipid observations, however. That people view reality from “radically different perspectives” is where a “look behind the myths and reality” of a religious group should begin, not end.
Especially unsatisfactory is Allen's treatment of Escriva and the cult of personality surrounding the saint. He acknowledges that Escriva's writings, largely a collection of pious aphorisms, are thought “banal” by many. Indeed, they read like a cross between the gnomic utterances of Yoda and the bullying of Donald Rumsfeld. They also make clear Escriva's extreme views on Church authority. “Obedience, the sure way,” begins entry 941 in The Way. “Blind obedience to your superior, the way of sanctity. Obedience in your apostolate, the only way; for, in a work of God, the spirit must be to obey or to leave.” Submission to religious authority is understood to be a good in itself. The language and images of war suffuse Escriva's writing, as does his contempt for those who are “lukewarm” in their vocation.
As it turns out, Allen's conclusion is a useful, if unintended, example of the Rashomon experience itself. After 350 pages of bending over backwards to show how Opus Dei's public image is distorted by “the cultural gap that separates Anglo-Saxon corporate thinking from the rest of the world,” Allen makes a number of sensible suggestions for reforming the movement, all of which fall into that gap. He urges the group to be more transparent in dealings with others and in identifying its operations and reporting its finances, to collaborate with other Catholic groups, whose liberal tendencies Opus Dei has long resisted, and to become more open and self-critical.
But if Escriva's writing is any guide, “saints” do not value this sort of compromise. Being a saint is not “a matter of interpretation” or a question of developing a taste for one brand of reality over another. Saints don't believe in choice or taste, but in the will of God. For Opus Dei, the business of making saints is not one option among many—it is the only option. I fear that in explaining why Opus Dei is misunderstood, Allen seems to have misunderstood it. If Opus Dei's vision of the spiritual life is powerful and compelling—even beautiful and exhilarating—to its adherents, it is precisely because it understands itself to be not just one way of looking at reality, but the only way.
Allen's recommendations to Opus Dei are based on the liberal (and also Catholic, I would argue) virtues of tolerance, public accountability, individual autonomy, dialogue, and a willingness to change in response to altered circumstances. Yet Opus Dei is a proudly illiberal institution, one whose spiritual identity demands the rejection of any “lukewarm” acceptance of what is understood to be moral error. As Allen acknowledges, a defining characteristic of Opus Dei members is that they cannot admit the possibility that Church teaching could be wrong. Obedience and loyalty, self-sacrifice, ascetic discipline, moral certainty, absolute devotion to the Church, especially to the papacy: These are the virtues Opus Dei seeks to instill. If I were in charge of Opus Dei, I would take Allen's recommendations with a large grain of salt, for if adopted they will bring into the group the moral and cultural forces for which Opus Dei was so obviously conceived as an antidote

Guernica


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

It is modern art's most powerful antiwar statement... created by the twentieth century's most well-known and least understood artist. But the mural called Guernica is not at all what Pablo Picasso has in mind when he agrees to paint the centerpiece for the Spanish Pavilion of the 1937 World's Fair.
For three months, Picasso has been searching for inspiration for the mural, but the artist is in a sullen mood, frustrated by a decade of turmoil in his personal life and dissatisfaction with his work. The politics of his native homeland are also troubling him, as a brutal civil war ravages Spain. Republican forces, loyal to the newly elected government, are under attack from a fascist coup led by Generalissimo Francisco Franco. Franco promises prosperity and stability to the people of Spain. Yet he delivers only death and destruction.
Hoping for a bold visual protest to Franco's treachery from Spain's most eminent artist, colleagues and representatives of the democratic government have come to Picasso's home in Paris to ask him to paint the mural. Though his sympathies clearly lie with the new Republic, Picasso generally avoids politics - and disdains overtly political art.
The official theme of the Paris Exposition is a celebration of modern technology. Organizers hope this vision of a bright future will jolt the nations out of the economic depression and social unrest of the thirties.
As plans unfold, much excitement is generated by the Aeronautics Pavilion, featuring the latest advances in aircraft design and engineering. Who would suspect that this dramatic progress would bring about such dire consequences?On April 27th, 1937, unprecedented atrocities are perpetrated on behalf of Franco against the civilian population of a little Basque village in northern Spain. Chosen for bombing practice by Hitler's burgeoning war machine, the hamlet is pounded with high-explosive and incendiary bombs for over three hours. Townspeople are cut down as they run from the crumbling buildings. Guernica burns for three days. Sixteen hundred civilians are killed or wounded.
By May 1st, news of the massacre at Guernica reaches Paris, where more than a million protesters flood the streets to voice their outrage in the largest May Day demonstration the city has ever seen. Eyewitness reports fill the front pages of Paris papers. Picasso is stunned by the stark black and white photographs. Appalled and enraged, Picasso rushes through the crowded streets to his studio, where he quickly sketches the first images for the mural he will call Guernica. His search for inspiration is over.
From the beginning, Picasso chooses not to represent the horror of Guernica in realist or romantic terms. Key figures - a woman with outstretched arms, a bull, an agonized horse - are refined in sketch after sketch, then transferred to the capacious canvas, which he also reworks several times. "A painting is not thought out and settled in advance," said Picasso. "While it is being done, it changes as one's thoughts change. And when it's finished, it goes on changing, according to the state of mind of whoever is looking at it."
Three months later, Guernica is delivered to the Spanish Pavilion, where the Paris Exposition is already in progress. Located out of the way, and grouped with the pavilions of smaller countries some distance from the Eiffel Tower, the Spanish Pavilion stood in the shadow of Albert Speer's monolith to Nazi Germany. The Spanish Pavilion's main attraction, Picasso's Guernica, is a sober reminder of the tragic events in Spain.
Initial reaction to the painting is overwhelmingly critical. The German fair guide calls Guernica "a hodgepodge of body parts that any four-year-old could have painted." It dismisses the mural as the dream of a madman. Even the Soviets, who had sided with the Spanish government against Franco, react coolly. They favor more overt imagery, believing that only more realistic art can have political or social consequence. Yet Picasso's tour de force would become one of this century's most unsettling indictments of war.
After the Fair, Guernica tours Europe and Northern America to raise consciousness about the threat of fascism. From the beginning of World War II until 1981, Guernica is housed in its temporary home at the Museum of Modern Art in New York, though it makes frequent trips abroad to such places as Munich, Cologne, Stockholm, and even Sao Palo in Brazil. The one place it does not go is Spain. Although Picasso had always intended for the mural to be owned by the Spanish people, he refuses to allow it to travel to Spain until the country enjoys "public liberties and democratic institutions."
Speculations as to the exact meaning of the jumble of tortured images are as numerous and varied as the people who have viewed the painting. There is no doubt that Guernica challenges our notions of warfare as heroic and exposes it as a brutal act of self-destruction. But it is a hallmark of Picasso's art that any symbol can hold many, often contradictory meanings, and the precise significance of the imagery in Guernica remains ambiguous. When asked to explain his symbolism, Picasso remarked, "It isn't up to the painter to define the symbols. Otherwise it would be better if he wrote them out in so many words! The public who look at the picture must interpret the symbols as they understand them."
In 1973, Pablo Picasso, the most influential artist of the twentieth century, dies at the age of ninety-two. And when Franco dies in 1975, Spain moves closer to its dream of democracy. On the centenary of Picasso's birth, October 25th, 1981, Spain's new Republic carries out the best commemoration possible: the return of Guernica to Picasso's native soil in a testimony of national reconciliation. In its final journey, Picasso's apocalyptic vision has served as a banner for a nation on its path toward freedom and democracy.Now showcased at the Reina Sofía, Spain's national museum of modern art, Guernica is acclaimed as an artistic masterpiece, taking its rightful place among the great Spanish treasures of El Greco, Goya and Velazquez. "A lot of people recognize the painting," says art historian Patricia Failing. "They may not even know that it's a Picasso, but they recognize the image. It's a kind of icon."

quarta-feira, novembro 09, 2005

Mago


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Mago respirou fundo. Abriu o nariz e encheu o peito de ar ou de luar, não podia saber ao certo, porque a noite era clara como o dia e parada como uma montanha. Mas fosse de frescura ou de luz a onda que bebera num trago, de tal modo o inundou, que em todo o corpo lhe correu logo um frêmito de vida nova. Esticou-se então por inteiro, firmado nas quatro patas, arqueou o lombo, e deixando-se ficar assim por alguns instantes, só músculos, tendões e nervos, com os ossos a ranger de cabo a rabo. Arre, que não podia mais! Aquele mormaço da sala dava cabo dele. Deixava-o sem ação, bambo, mole e morno como o cobertor de papa onde dormia. A que baixezas a gente pode chegar! Ah, mas tinha que acabar semelhante degradação! Não pensasse lá agora a senhora D. Maria da Glória Sância que estava disposto a deixar-se perder para sempre no seu regaço macio de solteirona. Não faltava mais nada! E, se lhe restavam dúvidas, reparasse no que estava a acontecer naquele momento: ela a ressonar sozinha, na cama fofa, enquanto ele enchia os pulmões de oxigênio e de liberdade. É certo que a deixara primeiro adormecer, e só então, brandamente, deslizara de seus braços para o tapete e do tapete para a rua, através do postigo da cozinha. Uma questão de delicadeza, apenas. Porque, afinal, não havia vantagem nenhuma em fazer as coisas à bruta e ofender quem só lhe queria bem... Que diabo, sempre a senhora D. Maria Sância, a que até um fio de oiro lhe comprara para o pescoço! Que, considerando bem, por essas e por outras é que chegara àquela linda situação... - Ouvi dizer que já nem sardinhas comes?! - Essa agora! É todos os dias... - E que nunca mais caçaste? - Ainda esta manhã... Piadinhas do Lambão. É claro que os mimos de D. Sância lhe haviam deformado o gosto... Metia-lhe os petiscos ao focinho, tentava-se! E havia por onde escolher, de mais a mais! Quanto a ratos, que necessidade tinha de perder o tempo, debruçado três horas sobre um buraco, sem mexer sequer a menina dos olhos, à espera dum pobre diabo qualquer que ressonava lá no fundo? Deixá-los viver! As coisas são o que são. Em todo o caso, ainda comia a sua pescada crua e deitava honradamente a mão a uma ou outra borboleta branca, sem falar nas andorinhas novas e nos pardalecos que filava por desfastio na primavera. Que demónio! - Mas que não saias de casa, sempre agarrado às saias... Na verdade, saía pouco. Outros tempos, outros hábitos. Banqueteava-se e ficava-se pelas almofadas... Digestões difíceis, vinha-lhe um migalho de sonolência... Às vezes tentava reagir. Mas o raio da velha, mal o via pôr o pé na soleira da porta, perdia a cabeça! Parecia uma sineta! - Mago! Mago! Bicho, bichinho! Regressava aos lençóis, claro. Contrariado, evidentemente. Mas quê! Era o pão... O pãozinho na boca! Que remédio senão torcer caminho e, com as unhas discretamente recolhidas, continuar as carícias de algodão em rama no cachaço da dona... - E que deixaste a Faísca!... - Eu? - Que anda metida com o Zimbro... Pelo menos é o que consta. Que teve até cinco pequenos dele... - Meus! Muito meus! Do meu sangue! Pantominice. Um triste chanato na honra do convento. Paleio de chavelhudo manso... a ninhada pertencia inteirinha ao Zimbro. Até pela pinta se via. Todos com o mesmo olhinho remelão... O que ele era era um parrana, um infeliz, embora o não confessasse. Os mimos de D. Sância tinham-no desgraçado. Ah, mas a coisa ia mudar de figura! Estava farto de ser desfeiteado. Ainda há pouco... chegara-se ao pé da mulher, disposto a impor sua autoridade. - Ouve lá: disseram-se que mos andas a pôr para aí com todo mundo? E recebe esta pelas ventas: - Bem haja eu! - Bem hajas tu?! - Nunca guardei respeito a maricas! Só a tiro! Mas a verdade é que a Faísca tinha razão. Lá de ano a ano é que vinha procurá-la, e isso de gado fêmeo quer assistência. Além disso, pesadão, desconsolado. E até esquecido dos ganidos dessas horas... Uma vergonha! - Aparece logo à noite, pelo Tinoco... Há reunião. E adeusinho... - Adeus, Lambão. Foi no quintal, à tarde, quando a D. Sância dormia a sesta. O Lambão, empoleirado no muro, rondava a cozinha da vizinhança, onde assavam carapaus. Por acaso chegara à janela nesse momento, vira-o e fizera-lhe sinal. E o outro, de boa ou má fé, abrira o saco. Mas há males que vêm por bem. Depois da conversa, pensara maduramente no caso, e ali estava agora disposto a ressuscitar daquela vida perdida em que o destino o metera. Sim, ali estava, a dois passos do Tinoco, o clube da gataria de meia-idade. Bem situado, com saída para dois bairros da cidade, fora fundado pelo maior valdevinos da geração: o Hilário. Era um telhado corrido, quase plano, amplo, alto, mas de onde se podia cair de qualquer maneira numa aflição. Um achado. Como a casa servia de armazém, o Hilário viu de relance as condições do local. E logo no outro dia, os beijos, as mordedelas, os arranhões e os queixumes do cio foram ali. Bons tempos esses! Namorava então a Boneca, uma gatinha borralheira de a gente se perder. - Ora viva! - Miiau... - Seja bem aparecida, a minha bonequinha! - Miiau... Mimo da cabeça aos pés. Mas um rebuçadinho! Depois enrodilhara-se com a Moira-Negra, um coiro velho, curtido e batido. Cada guincho que abria a noite! - Cala-te lá com isso, mulher! Isso calava ela! Acabou por se aborrecer. Por fim veio a lambisgóia da Perricha... Uns trabalhos. Ciúmes, fraqueza, dores de cabeça, o diabo! - Matas-te, filho, arruinas-te... Palavras sensatas da mãe. - Muda de vida, homem! Essa excomungada leva-te à sepultura. Mas quê! O vício pode muito. Até que a mãe morreu de velhice e desgosto, a Perricha desapareceu do bairro e ele foi cair por acaso no quintal da D. Sância. - O bichinho está doente. Se calhar é fome... E a ternura da senhora nunca mais o largou. A princípio ainda tentou reagir, mas, por fim, o corpo, o miserável corpo, acostumou-se ao ripanço. A parva da santanaria cuidava que era amor correspondido. Palerma! Amizade sincera não é com gatos. Simplesmente, quem brinca aos afogados, afoga-se. Com o andar do tempo, a moleza foi tomando conta dele... E pronto. Quando reparou, estava perdido. Às vezes tinha tentações do inferno. Infelizmente, as vidas iam ruins. Virava-se um balde de restos, e não se aproveitava uma espinha. Que remédio, pois, senão contemporizar... Mas cara aposentadoria! Considerando bem, melhor fora que o estafermo de solteirona nunca lhe tivesse aparecido. Mais valia andar pelado e a cair de fome e ser capaz de responder ao pé da letra aos sarcasmos que agora lhe atiravam. - Olha o Mago!... Olha o milionário!... O patife do Tareco. Era de o derreter logo ali! A desgraça é que não podia passar da mansa indignação que o roía. Nem forças, nem coragem para mais. E, logo por azar, com o clube à cunha! Parecia de propósito. Raios partissem a D. Sância, e mais quem lhe gabava as almofadas! Por causa delas, pouco faltava para lhe cuspirem na cara! - Com que então de visita aos bairros pobres? Obra de assistência ao desvalidos, não? Até o bandido do Zimbro. Vejam lá! O engraçado! Não contente de lhe roubar a mulher, de lhe pregar um par deles do tamanho duma procissão, vinha ainda com provocações à vista de toda a gente. Ah, mas estava redondamente enganado, se cuidava que não recebia o troco devido. - O cavalheiro seja mais delicado... - Reparem nas falinhas dele... A tratar os amigos por cavalheiros! - Amigos? Eu não tenho amigos da sua laia! - Pesam-lhe na testa, coitado! Desembestou. Cego da cabeça aos pés, atirou-se ao abismo. Infelizmente as ensanchas do Zimbro eram outras. Tinha raiva, tinha dentes, tinha unhas e fôlego. Contra tais armas, que podia a simples indignação dum pobre mortal, gordo e lustroso? Servir de bombo da festa... É que nem a primeira acertou! Ágil e musculado, e com a maleabilidade de uma cobra, o inimigo furtou-se à sua fúria, e ripostou a valer ao golpe esboçado. Depois, foi o bom e o bonito! A seguir, uma saraivada de investidas traiçoeiras, meia dúzia de navalhadas de liquidar um homem. Só visto! No fim da luta, quando já não podia mais e se confessou derrotado, sangrava e gemia tanto, que até um polícia, em baixo, na rua estreita, se comoveu. O clube, esse, parecia doido de alegria. A Faísca rebolava-se no chão, de contente. Fugiu desvairado pelos telhados. A lua, cada vez mais branca lá no alto, olhava-o com desdém. A cidade, adormecida, parecia um cemitério sem fim. Da torre duma igreja, saía um pio agoirento. Jogara naquele lance o resto da dignidade. E perdera. Dali por diante, seria apenas uma humilhação, sem esperança. Ele, que tivera nas mãos possantes e nervosas o corpo fino e submisso da Boneca, ele, o escolhido da Moira-Negra, ele, o companheiro de noitadas do Hilário, ele, Mago, relegado definitivamente para o mundo das pantufas e dos tapetes! Proibido para o resto da existência de pensar sequer numa baforada da úmida frescura que agora lhe atravessava as ventas e lhe deixava cantarinhas no bigode... Condenado para sempre ao bafio da maldita sala de visitas da D. Sância! Negra sorte! E tudo obra do coirão da velha... Se não fosse ela, em ver de ir ali esquadrilhado e a mancar da mão esquerda, estaria no Tinoco a soltar ganidos com os outros, depois de ter feito o Zimbro em pedaços... Assim, arrastava-se penosamente por aquele caminho de desespero, tal e qual um moribundo a despedir-se da vida... Miséria de destino! Vexado, vencido, retalhado no corpo e na alma...E tudo obra do estupor da sanataria! Vinha rompendo a manhã. Um sino ao longe deu cinco horas. Abriam-se as primeiras janelas. Grandes laivos avermelhados anunciavam a chegada próxima do sol. Parou. Lambeu a pata doente e sacudiu-se, num arrepio. Uma lassidão profunda começava a invadi-lo. Maldita D. Sância! Se nunca tivesse conhecido a tal sujeita... Olha, olha, a enevoar-se-lhe a vista! Queriam ver que ia desmaiar?! Encostou-se a uma chaminé, e ficou algum tempo sem dar acordo de si, a arfar penosamente. Até que uma onda de energia o trouxe de novo ao mundo. Arregalou os olhos. Estava melhor, felizmente! Já enxergava claro outra vez. Podia continuar. Em que trabalhos o metera o raio da senhoreca! E louvar a Deus safar-se com vida da brincadeira... Coça valente... Por um triz que não se ficava... Muita resistência tinha ele ainda! A alguns metros apenas do jardim da casa, cuidou que tornava a desfalecer. E só então é que reparou: deixava um rastro de sangue por onde passava... Fez das tripas coração e lá conseguiu equilibrar-se e chegar ao pequeno muro que vedava o paraíso da sua perdição. Saltava? Não saltava? Que infâmia, regressar aos mimos da D. Sância! Que nojo! Que ordinarice! Mas a que propósito vinham agora as perplexidades e as recriminações? Sim, a que propósito? Fartinho de saber que nem sequer lhe passara pela cabeça a idéia de resolver o caso doutra maneira! Ao menos fosse sincero! De resto, que esforço concreto fizera para se libertar? Nenhum. Ainda não havia uma dúzia de horas, ouvira a voz de Lambão como um eco da própria consciência... E, afinal, ali estava outra vez! E viera de livre vontade... Ninguém o obrigara... Já roído de remorsos? Ora, ora! Outro fosse ele, nem aquela casa encarava mais. E voltara! Sim, voltara miseravelmente... E à procura de quê? Da paz podre, dum conforto castrador... Que abjeção! Que náusea! E, sem querer, sem poder aceitar a sua degradação, Mago entrou pelo postigo da cozinha e foi-se deitar entre os braços balofos da D. Sância.

M. Torga

Adeus


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

E. de Andrade

Which treats of the caracter and pursuits of ...


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

In a village of La Mancha, the name of which I have no desire to call to mind, there lived not long since one of those gentlemen that keep a lance in the lance-rack, an old buckler, a lean hack, and a greyhound for coursing. An olla of rather more beef than mutton, a salad on most nights, scraps on Saturdays, lentils on Fridays, and a pigeon or so extra on Sundays, made away with three-quarters of his income. The rest of it went in a doublet of fine cloth and velvet breeches and shoes to match for holidays, while on week-days he made a brave figure in his best homespun. He had in his house a housekeeper past forty, a niece under twenty, and a lad for the field and market-place, who used to saddle the hack as well as handle the bill-hook. The age of this gentleman of ours was bordering on fifty; he was of a hardy habit, spare, gaunt-featured, a very early riser and a great sportsman. They will have it his surname was Quixada or Quesada (for here there is some difference of opinion among the authors who write on the subject), although from reasonable conjectures it seems plain that he was called Quexana. This, however, is of but little importance to our tale; it will be enough not to stray a hair's breadth from the truth in the telling of it.
You must know, then, that the above-named gentleman whenever he was at leisure (which was mostly all the year round) gave himself up to reading books of chivalry with such ardour and avidity that he almost entirely neglected the pursuit of his field-sports, and even the management of his property; and to such a pitch did his eagerness and infatuation go that he sold many an acre of tillageland to buy books of chivalry to read, and brought home as many of them as he could get. But of all there were none he liked so well as those of the famous Feliciano de Silva's composition, for their lucidity of style and complicated conceits were as pearls in his sight, particularly when in his reading he came upon courtships and cartels, where he often found passages like "the reason of the unreason with which my reason is afflicted so weakens my reason that with reason I murmur at your beauty;" or again, "the high heavens, that of your divinity divinely fortify you with the stars, render you deserving of the desert your greatness deserves." Over conceits of this sort the poor gentleman lost his wits, and used to lie awake striving to understand them and worm the meaning out of them; what Aristotle himself could not have made out or extracted had he come to life again for that special purpose. He was not at all easy about the wounds which Don Belianis gave and took, because it seemed to him that, great as were the surgeons who had cured him, he must have had his face and body covered all over with seams and scars. He commended, however, the author's way of ending his book with the promise of that interminable adventure, and many a time was he tempted to take up his pen and finish it properly as is there proposed, which no doubt he would have done, and made a successful piece of work of it too, had not greater and more absorbing thoughts prevented him.
Many an argument did he have with the curate of his village (a learned man, and a graduate of Siguenza) as to which had been the better knight, Palmerin of England or Amadis of Gaul. Master Nicholas, the village barber, however, used to say that neither of them came up to the Knight of Phoebus, and that if there was any that could compare with him it was Don Galaor, the brother of Amadis of Gaul, because he had a spirit that was equal to every occasion, and was no finikin knight, nor lachrymose like his brother, while in the matter of valour he was not a whit behind him. In short, he became so absorbed in his books that he spent his nights from sunset to sunrise, and his days from dawn to dark, poring over them; and what with little sleep and much reading his brains got so dry that he lost his wits. His fancy grew full of what he used to read about in his books, enchantments, quarrels, battles, challenges, wounds, wooings, loves, agonies, and all sorts of impossible nonsense; and it so possessed his mind that the whole fabric of invention and fancy he read of was true, that to him no history in the world had more reality in it. He used to say the Cid Ruy Diaz was a very good knight, but that he was not to be compared with the Knight of the Burning Sword who with one back-stroke cut in half two fierce and monstrous giants. He thought more of Bernardo del Carpio because at Roncesvalles he slew Roland in spite of enchantments, availing himself of the artifice of Hercules when he strangled Antaeus the son of Terra in his arms. He approved highly of the giant Morgante, because, although of the giant breed which is always arrogant and ill-conditioned, he alone was affable and well-bred. But above all he admired Reinaldos of Montalban, especially when he saw him sallying forth from his castle and robbing everyone he met, and when beyond the seas he stole that image of Mahomet which, as his history says, was entirely of gold. To have a bout of kicking at that traitor of a Ganelon he would have given his housekeeper, and his niece into the bargain.

In short, his wits being quite gone, he hit upon the strangest notion that ever madman in this world hit upon, and that was that he fancied it was right and requisite, as well for the support of his own honour as for the service of his country, that he should make a knight-errant of himself, roaming the world over in full armour and on horseback in quest of adventures, and putting in practice himself all that he had read of as being the usual practices of knights-errant; righting every kind of wrong, and exposing himself to peril and danger from which, in the issue, he was to reap eternal renown and fame. Already the poor man saw himself crowned by the might of his arm Emperor of Trebizond at least; and so, led away by the intense enjoyment he found in these pleasant fancies, he set himself forthwith to put his scheme into execution.
The first thing he did was to clean up some armour that had belonged to his great-grandfather, and had been for ages lying forgotten in a corner eaten with rust and covered with mildew. He scoured and polished it as best he could, but he perceived one great defect in it, that it had no closed helmet, nothing but a simple morion. This deficiency, however, his ingenuity supplied, for he contrived a kind of half-helmet of pasteboard which, fitted on to the morion, looked like a whole one. It is true that, in order to see if it was strong and fit to stand a cut, he drew his sword and gave it a couple of slashes, the first of which undid in an instant what had taken him a week to do. The ease with which he had knocked it to pieces disconcerted him somewhat, and to guard against that danger he set to work again, fixing bars of iron on the inside until he was satisfied with its strength; and then, not caring to try any more experiments with it, he passed it and adopted it as a helmet of the most perfect construction.
He next proceeded to inspect his hack, which, with more quartos than a real and more blemishes than the steed of Gonela, that "tantum pellis et ossa fuit," surpassed in his eyes the Bucephalus of Alexander or the Babieca of the Cid. Four days were spent in thinking what name to give him, because (as he said to himself) it was not right that a horse belonging to a knight so famous, and one with such merits of his own, should be without some distinctive name, and he strove to adapt it so as to indicate what he had been before belonging to a knight-errant, and what he then was; for it was only reasonable that, his master taking a new character, he should take a new name, and that it should be a distinguished and full-sounding one, befitting the new order and calling he was about to follow. And so, after having composed, struck out, rejected, added to, unmade, and remade a multitude of names out of his memory and fancy, he decided upon calling him Rocinante, a name, to his thinking, lofty, sonorous, and significant of his condition as a hack before he became what he now was, the first and foremost of all the hacks in the world.
Having got a name for his horse so much to his taste, he was anxious to get one for himself, and he was eight days more pondering over this point, till at last he made up his mind to call himself "Don Quixote," whence, as has been already said, the authors of this veracious history have inferred that his name must have been beyond a doubt Quixada, and not Quesada as others would have it. Recollecting, however, that the valiant Amadis was not content to call himself curtly Amadis and nothing more, but added the name of his kingdom and country to make it famous, and called himself Amadis of Gaul, he, like a good knight, resolved to add on the name of his, and to style himself Don Quixote of La Mancha, whereby, he considered, he described accurately his origin and country, and did honour to it in taking his surname from it.
So then, his armour being furbished, his morion turned into a helmet, his hack christened, and he himself confirmed, he came to the conclusion that nothing more was needed now but to look out for a lady to be in love with; for a knight-errant without love was like a tree without leaves or fruit, or a body without a soul. As he said to himself, "If, for my sins, or by my good fortune, I come across some giant hereabouts, a common occurrence with knights-errant, and overthrow him in one onslaught, or cleave him asunder to the waist, or, in short, vanquish and subdue him, will it not be well to have some one I may send him to as a present, that he may come in and fall on his knees before my sweet lady, and in a humble, submissive voice say, 'I am the giant Caraculiambro, lord of the island of Malindrania, vanquished in single combat by the never sufficiently extolled knight Don Quixote of La Mancha, who has commanded me to present myself before your Grace, that your Highness dispose of me at your pleasure'?" Oh, how our good gentleman enjoyed the delivery of this speech, especially when he had thought of some one to call his Lady! There was, so the story goes, in a village near his own a very good-looking farm-girl with whom he had been at one time in love, though, so far as is known, she never knew it nor gave a thought to the matter. Her name was Aldonza Lorenzo, and upon her he thought fit to confer the title of Lady of his Thoughts; and after some search for a name which should not be out of harmony with her own, and should suggest and indicate that of a princess and great lady, he decided upon calling her Dulcinea del Toboso -she being of El Toboso- a name, to his mind, musical, uncommon, and significant, like all those he had already bestowed upon himself and the things belonging to him.

terça-feira, novembro 08, 2005

As intermitências da morte


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa

No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar. A passagem do ano não tinha deixado atrás de si o habitual e calamitoso regueiro de óbitos, como se a velha átropos da dentuça arreganhada tivesse resolvido embainhar a tesoura por um dia. Sangue, porém, houve-o, e não pouco. Desvairados, confusos, aflitos, dominando a custo as náuseas, os bombeiros extraíam da amálgama dos destroços míseros corpos humanos que, de acordo com a lógica matemática das colisões, deveriam estar mortos e bem mortos, mas que, apesar da gravidade dos ferimentos e dos traumatismos sofridos, se mantinham vivos e assim eram transportados aos hospitais, ao som das dilacerantes sereias das ambulâncias. Nenhuma dessas pessoas morreria no caminho e todas iriam desmentir os mais pessimistas prognósticos médicos, Esse pobre diabo não tem remédio possível, nem valia a pena perder tempo a operá-lo, dizia o cirurgião à enfermeira enquanto esta lhe ajustava a máscara à cara. Realmente, talvez não houvesse salvação para o coitado no dia anterior, mas o que estava claro é que a vítima se recusava a morrer neste. E o que acontecia aqui, acontecia em todo o país. Até à meia-noite em ponto do último dia do ano ainda houve gente que aceitou morrer no mais fiel acatamento às regras, quer as que se reportavam ao fundo da questão, isto é, acabar-se a vida, quer as que atinham às múltiplas modalidades de que ele, o referido fundo da questão, com maior ou menor pompa e solenidade, usa revestir-se quando chega o momento fatal. Um caso sobre todos interessante, obviamente por se tratar de quem se tratava, foi o da idosíssima e veneranda rainha-mãe. Às vinte e três horas e cinquenta e nove minutos daquele dia trinta e um de dezembro ninguém seria tão ingénuo que apostasse um pau de fósforo queimado pela vida da real senhora. Perdida qualquer esperança, rendidos os médicos à implacável evidência, a família real, hierarquicamente disposta ao redor do leito, esperava com resignação o derradeiro suspiro da matriarca, talvez umas palavrinhas, uma última sentença edificante com vista à formação moral dos amados príncipes seus netos, talvez uma bela e arredondada frase dirigida à sempre ingrata retentiva dos súbditos vindouros. E depois, como se o tempo tivesse parado, não aconteceu nada. A rainha-mãe nem melhorou nem piorou, ficou ali como suspensa, baloiçando o frágil corpo à borda da vida, ameaçando a cada instante cair para o outro lado, mas atada a este por um ténue fio que a morte, só podia ser ela, não se sabe por que estranho capricho, continuava a segurar. Já tínhamos passado ao dia seguinte, e nele, como se informou logo no princípio deste relato, ninguém iria morrer.
A tarde já ia muito adiantada quando começou a correr o rumor de que, desde a entrada do novo ano, mais precisamente desde as zero horas deste dia um de janeiro em que estamos, não havia constância de se ter dado em todo o país um só falecimento que fosse. Poderia pensar-se, por exemplo, que o boato tivesse tido origem na surpreendente resistência da rainha-mãe a desistir da pouca vida que ainda lhe restava, mas a verdade é que a habitual parte médica distribuída pelo gabinete de imprensa do palácio aos meios de comunicação social não só assegurava que o estado geral da real enferma havia experimentado visíveis melhoras durante a noite, como até sugeria, como até dava a entender, escolhendo cuidadosamente as palavras, a possibilidade de um completo restabelecimento da importantíssima saúde. Na sua primeira manifestação o rumor também poderia ter saído com toda a naturalidade de uma agência de enterros e trasladações, Pelos vistos ninguém parece estar disposto a morrer no primeiro dia do ano, ou de um hospital, Aquele tipo da cama vinte e sete não ata nem desata, ou do porta-voz da polícia de trânsito, É um autêntico mistério que, tendo havido tantos acidentes na estrada, não haja ao menos um morto para exemplo. O boato, cuja fonte primigénia nunca foi descoberta, sem que, por outro lado, à luz do que viria a suceder depois, isso importasse muito, não tardou a chegar aos jornais, à rádio e à televisão, e fez espevitar imediatamente as orelhas a directores, adjuntos e chefes de redacção, pessoas não só preparadas para farejar à distância os grandes acontecimentos da história do mundo como treinadas no sentido de os tornar ainda maiores sempre que tal convenha. Em poucos minutos já estavam na rua dezenas de repórteres de investigação fazendo perguntas a todo o bicho-careta que lhes aparecesse pela frente, ao mesmo tempo que nas fervilhantes redacções as baterias de telefones se agitavam e vibravam em idênticos frenesis indagadores. Fizeram-se chamadas para os hospitais, para a cruz vermelha, para a morgue, para as agências funerárias, para as polícias, para todas elas, com compreensível exclusão da secreta, mas as respostas iam dar às mesmas lacónicas palavras, Não há mortos. Mais sorte teria aquela jovem repórter de televisão a quem um transeunte, olhando alternadamente para ela e para a câmara, contou um caso vivido em pessoa e que era a exacta cópia do já citado episódio da rainha-mãe, Estava justamente a dar a meia-noite, disse ele, quando o meu avô, que parecia mesmo a ponto de finar-se, abriu de repente os olhos antes que soasse a última badalada no relógio da torre, como se se tivesse arrependido do passo que ia dar, e não morreu. A repórter ficou a tal ponto excitada com o que tinha acabado de ouvir que, sem atender a protestos nem súplicas, Ó minha senhora, por favor, não posso, tenho de ir à farmácia, o avô está lá à espera do remédio, empurrou o homem para dentro do carro da reportagem, Venha, venha comigo, o seu avô já não precisa de remédios, gritou, e logo mandou arrancar para o estúdio da televisão, onde nesse preciso momento tudo estava a preparar-se para um debate entre três especialistas em fenómenos paranormais, a saber, dois bruxos conceituados e uma famosa vidente, convocados a toda a pressa para analisarem e darem a sua opinião sobre o que já começava a ser chamado por alguns graciosos, desses que nada respeitam, a greve da morte. A confiada repórter laborava no mais grave dos enganos, porquanto havia interpretado as palavras da sua fonte informativa como significando que o moribundo, em sentido literal, se tinha arrependido do passo que estava prestes a dar, isto é, morrer, defuntar, esticar o pernil, e portanto resolvera fazer marcha atrás. Ora, as palavras que o feliz neto havia efectivamente pronunciado, Como se se tivesse arrependido, eram radicalmente diferentes de um peremptório Arrependeu-se. Umas quantas luzes de sintaxe elementar e uma maior familiaridade com as elásticas subtilezas dos tempos verbais teriam evitado o quiproquó e a consequente descompostura que a pobre moça, rubra de vergonha e humilhação, teve de suportar do seu chefe directo. Mal podiam imaginar, porém, ele e ela, que a tal frase, repetida em directo pelo entrevistado e novamente escutada em gravação no telejornal da noite, iria ser compreendida da mesma equivocada maneira por milhões de pessoas, o que virá a ter como desconcertante consequência, num futuro muito próximo, a criação de um movimento de cidadãos firmemente convencidos de que pela simples acção da vontade será possível vencer a morte e que, por conseguinte, o imerecido desaparecimento de tanta gente no passado só se tinha devido a uma censurável debilidade de volição das gerações anteriores. Mas as cousas não ficarão por aqui. Uma vez que as pessoas, sem que para tal tenham de cometer qualquer esforço perceptível, irão continuar a não morrer, um outro movimento popular de massas, dotado de uma visão prospectiva mais ambiciosa, proclamará que o maior sonho da humanidade desde o princípio dos tempos, isto é, o gozo feliz de uma vida eterna cá na terra, se havia tornado em um bem para todos, como o sol que nasce todos os dias e o ar que respiramos. Apesar de disputarem, por assim dizer, o mesmo eleitorado, houve um ponto em que os dois movimentos souberam pôr-se de acordo, e foi terem nomeado para a presidência honorária, dada a sua eminente qualidade de precursor, o corajoso veterano que, no instante supremo, havia desafiado e derrotado a morte. Tanto quanto se sabe, não virá a ser atribuída particular importância ao facto de o avôzinho se encontrar em estado de coma profundo e, segundo todos os indícios, irreversível.
Embora a palavra crise não seja certamente a mais apropriada para caracterizar os singularíssimos sucessos que temos vindo a narrar, porquanto seria absurdo, incongruente e atentatório da lógica mais ordinária falar-se de crise numa situação existencial justamente privilegiada pela ausência da morte, compreende-se que alguns cidadãos, zelosos do seu direito a uma informação veraz, andem a perguntar-se a si mesmos, e uns aos outros, que diabo se passa com o governo, que até agora não deu o menor sinal de vida. É certo que o ministro da saúde, interpelado à passagem no breve intervalo entre duas reuniões, havia explicado aos jornalistas que, tendo em consideração a falta de elementos suficientes de juízo, qualquer declaração oficial seria forçosamente prematura, Estamos a coligir as informações que nos chegam de todo o país, acrescentou, e realmente em nenhuma delas há menção de falecimentos, mas é fácil imaginar que, colhidos de surpresa como toda a gente, ainda não estejamos preparados para enunciar uma primeira ideia sobre as origens do fenómeno e sobre as suas implicações, tanto as imediatas como as futuras. Poderia ter-se deixado ficar por aqui, o que, levando em conta as dificuldades da situação, já seria motivo para agradecer, mas o conhecido impulso de recomendar tranquilidade às pessoas a propósito de tudo e de nada, de as manter sossegadas no redil seja como for, esse tropismo que nos políticos, em particular se são governo, se tornou numa segunda natureza, para não dizer automatismo, movimento mecânico, levou-o a rematar a conversa da pior maneira, Como responsável pela pasta da saúde, asseguro a todos quantos me escutam que não existe qualquer motivo para alarme, Se bem entendi o que acabo de escutar, observou um jornalista em tom que não queria parecer demasiado irónico, na opinião do senhor ministro não é alarmante o facto de ninguém estar a morrer, Exacto, embora por outras palavras, foi isso mesmo o que eu disse, Senhor ministro, permita-me que lhe recorde que ainda ontem havia pessoas que morriam e a ninguém lhe passaria pela cabeça que isso fosse alarmante, É natural, o costume é morrer, e morrer só se torna alarmante quando as mortes se multiplicam, uma guerra, uma epidemia, por exemplo, Isto é, quando saem da rotina, Poder-se-á dizer assim, Mas, agora que não se encontra quem esteja disposto a morrer, é quando o senhor ministro nos vem pedir que não nos alarmemos, convirá comigo que, pelo menos, é bastante paradoxal, Foi a força do hábito, reconheço que o termo alarme não deveria ter sido chamado a este caso, Que outra palavra usaria então o senhor ministro, faço a pergunta porque, como jornalista consciente das minhas obrigações que me prezo de ser, me preocupa empregar o termo exacto sempre que possível. Ligeiramente enfadado com a insistência, o ministro respondeu secamente, Não uma, mas quatro, Quais, senhor ministro, Não alimentemos falsas esperanças. Teria sido, sem dúvida, uma boa e honesta manchete para o jornal do dia seguinte, mas o director, após consultar com o seu redactor-chefe, considerou desaconselhável, também do ponto de vista empresarial, lançar esse balde de água gelada sobre o entusiasmo popular, Ponha-lhe o mesmo de sempre, Ano Novo, Vida Nova, disse.
No comunicado oficial, finalmente difundido já a noite ia adiantada, o chefe do governo ratificava que não se haviam registado quaisquer defunções em todo o país desde o início do novo ano, pedia comedimento e sentido de responsabilidade nas avaliações e interpretações que do estranho facto viessem a ser elaboradas, lembrava que não deveria excluir-se a hipótese de se tratar de uma casualidade fortuita, de uma alteração cósmica meramente acidental e sem continuidade, de uma conjunção excepcional de coincidências intrusas na equação espaço-tempo, mas que, pelo sim, pelo não, já se haviam iniciado contactos exploratórios com os organismos internacionais competentes em ordem a habilitar o governo a uma acção que seria tanto mais eficaz quanto mais concertada pudesse ser. Enunciadas estas vaguidades pseudocientíficas, destinadas, também elas, a tranquilizar, pelo incompreensível, o alvoroço que reinava no país, o primeiro-ministro terminava afirmando que o governo se encontrava preparado para todas as eventualidades humanamente imagináveis, decidido a enfrentar com coragem e com o indispensável apoio da população os complexos problemas sociais, económicos, políticos e morais que a extinção definitiva da morte inevitavelmente suscitaria, no caso, que tudo parece indicar como previsível, de se vir a confirmar. Aceitaremos o repto da imortalidade do corpo, exclamou em tom arrebatado, se essa for a vontade de deus, a quem para todo o sempre agradeceremos, com as nossas orações, haver escolhido o bom povo deste país para seu instrumento. Significa isto, pensou o chefe do governo ao terminar a leitura, que estamos metidos até aos gorgomilos numa camisa-de-onze-varas. Não podia ele imaginar até que ponto o colarinho lhe iria apertar. Ainda meia hora não tinha passado quando, já no automóvel oficial que o levava a casa, recebeu uma chamada do cardeal, Boas noites, senhor primeiro-ministro, Boas noites, eminência, Telefono-lhe para lhe dizer que me sinto profundamente chocado, Também eu, eminência, a situação é muito grave, a mais grave de quantas o país teve de viver até hoje, Não se trata disso, De que se trata então, eminência, É a todos os respeitos deplorável que, ao redigir a declaração que acabei de escutar, o senhor primeiro-ministro não se tenha lembrado daquilo que constitui o alicerce, a viga mestra, a pedra angular, a chave de abóbada da nossa santa religião, Eminência, perdoe-me, temo não compreender aonde quer chegar, Sem morte, ouça-me bem, senhor primeiro-ministro, sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja, Ó diabo, Não percebi o que acaba de dizer, repita, por favor, Estava calado, eminência, provavelmente terá sido alguma interferência causada pela electricidade atmosférica, pela estática, ou mesmo um problema de cobertura, o satélite às vezes falha, dizia vossa eminência que, Dizia o que qualquer católico, e o senhor não é uma excepção, tem obrigação de saber, que sem ressurreição não há igreja, além disso, como lhe veio à cabeça que deus poderá querer o seu próprio fim, afirmá-lo é uma ideia absolutamente sacrílega, talvez a pior das blasfémias, Eminência, eu não disse que deus queria o seu próprio fim, De facto, por essas exactas palavras, não, mas admitiu a possibilidade de que a imortalidade do corpo resultasse da vontade de deus, não será preciso ser-se doutorado em lógica transcendental para perceber que quem diz uma cousa, diz a outra, Eminência, por favor, creia-me, foi uma simples frase de efeito destinada a impressionar, um remate de discurso, nada mais, bem sabe que a política tem destas necessidades, Também a igreja as tem, senhor primeiro-ministro, mas nós ponderamos muito antes de abrir a boca, não falamos por falar, calculamos os efeitos à distância, a nossa especialidade, se quer que lhe dê uma imagem para compreender melhor, é a balística, Estou desolado, eminência, No seu lugar também o estaria. Como se estivesse a avaliar o tempo que a granada levaria a cair, o cardeal fez uma pausa, depois, em tom mais suave, mais cordial, continuou, Gostaria de saber se o senhor primeiro-ministro levou a declaração ao conhecimento de sua majestade antes de a ler aos meios de comunicação social, Naturalmente, eminência, tratando-se de um assunto de tanto melindre, E que disse o rei, se não é segredo de estado, Pareceu-lhe bem, Fez algum comentário ao terminar, Estupendo, Estupendo, quê, Foi o que sua majestade me disse, estupendo, Quer dizer que também blasfemou, Não sou competente para formular juízos dessa natureza, eminência, viver com os meus próprios erros já me dá trabalho suficiente, Terei de falar ao rei, recordar-lhe que, em uma situação como esta, tão confusa, tão delicada, só a observância fiel e sem desfalecimento das provadas doutrinas da nossa santa madre igreja poderá salvar o país do pavoroso caos que nos vai cair em cima, Vossa eminência decidirá, está no seu papel, Perguntarei a sua majestade que prefere, se ver a rainha-mãe para sempre agonizante, prostrada num leito de que não voltará a levantar-se, com o imundo corpo a reter-lhe indignamente a alma, ou vê-la, por morrer, triunfadora da morte, na glória eterna e resplandecente dos céus, Ninguém hesitaria na resposta, Sim, mas, ao contrário do que se julga, não são tanto as respostas que me importam, senhor primeiro-ministro, mas as perguntas, obviamente refiro-me às nossas, observe como elas costumam ter, ao mesmo tempo, um objectivo à vista e uma intenção que vai escondida atrás, se as fazemos não é apenas para que nos respondam o que nesse momento necessitamos que os interpelados escutem da sua própria boca, é também para que se vá preparando o caminho às futuras respostas, Mais ou menos como na política, eminência, Assim é, mas a vantagem da igreja é que, embora às vezes o não pareça, ao gerir o que está no alto, governa o que está em baixo. Houve uma nova pausa, que o primeiro-ministro interrompeu, Estou quase a chegar a casa, eminência, mas, se me dá licença, ainda gostaria de lhe pôr uma breve questão, Diga, Que irá fazer a igreja se nunca mais ninguém morrer, Nunca mais é demasiado tempo, mesmo tratando-se da morte, senhor primeiro-ministro, Creio que não me respondeu, eminência, Devolvo-lhe a pergunta, que vai fazer o estado se nunca mais ninguém morrer, O estado tentará sobreviver, ainda que eu muito duvide de que o venha a conseguir, mas a igreja, A igreja, senhor primeiro-ministro, habituou-se de tal maneira às respostas eternas que não posso imaginá-la a dar outras, Ainda que a realidade as contradiga, Desde o princípio que nós não temos feito outra cousa que contradizer a realidade, e aqui estamos, Que irá dizer o papa, Se eu o fosse, perdoe-me deus a estulta vaidade de pensar-me tal, mandaria pôr imediatamente em circulação uma nova tese, a da morte adiada, Sem mais explicações, À igreja nunca se lhe pediu que explicasse fosse o que fosse, a nossa outra especialidade, além da balística, tem sido neutralizar, pela fé, o espírito curioso, Boas noites, eminência, até amanhã, Se deus quiser, senhor primeiro-ministro, sempre se deus quiser, Tal como estão as cousas neste momento, não parece que ele o possa evitar, Não se esqueça, senhor primeiro-ministro, de que fora das fronteiras do nosso país se continua a morrer com toda a normalidade, e isso é um bom sinal, Questão de ponto de vista, eminência, talvez lá de fora nos estejam a olhar como um oásis, um jardim, um novo paraíso, Ou um inferno, se forem inteligentes, Boas noites, eminência, desejo-lhe um sono tranquilo e reparador, Boas noites, senhor primeiro-ministro, se a morte resolver regressar esta noite, espero que não se lembre de o ir escolher a si, Se a justiça neste mundo não é uma palavra vã, a rainha-mãe deverá ir primeiro que eu, Prometo que não o denunciarei amanhã ao rei, Quanto lhe agradeço, eminência, Boas noites, Boas noites.
Eram três horas da madrugada quando o cardeal teve de ser levado a correr ao hospital com um ataque de apendicite aguda que obrigou a uma imediata intervenção cirúrgica. Antes de ser sugado pelo túnel da anestesia, naquele instante veloz que precede a perda total da consciência, pensou o que tantos outros têm pensado, que poderia vir a morrer durante a operação, depois lembrou-se de que tal já não era possível, e, finalmente, num último lampejo de lucidez, ainda lhe passou pela mente a ideia de que se, apesar de tudo, morresse mesmo, isso significaria que teria, paradoxalmente, vencido a morte. Arrebatado por uma irresistível ânsia sacrificial ia implorar a deus que o matasse, mas já não foi a tempo de pôr as palavras na sua ordem. A anestesia poupou-o ao supremo sacrilégio de querer transferir os poderes da morte para um deus mais geralmente conhecido como dador da vida.

J. Saramago

segunda-feira, novembro 07, 2005

O filho pródigo


www.pulodolobo.blogspot.com Posted by Picasa


«Um homem tinha dois filhos.O mais jovem disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações.
Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
E caindo em si, disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’.
Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai. Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos seus servos: ‘Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!’ E começaram a festejar.
Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde’. Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe.
Ele, porém, respondeu a seu pai: ‘Há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado!’
Mas o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!’»
Lucas 15, 11-32