Pulo do Lobo

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terça-feira, novembro 15, 2005

Semiótica


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A semiótica é uma ciência do século XX, mais precisamente dos meados do século. Saussure afirma no início do século que ainda não existe uma ciência cujo objectivo fosse o estudo da vida dos signos no seio da vida social. Mas reivindica o direito à existência de tal ciência, "que estudaria em que consistem os signos, que leis os regem", e propõe desde logo o nome de semiologia (do grego semeion, "sinal") para a designar. Em 1956 no ensaio "O Mito, Hoje", incluído em Mitologias, Roland Barthes constata que "a semiologia postulada por Saussure há uns quarenta anos ainda não está constituída" . Segundo Georges Mounin a concepção saussureana de semiologia – a de uma semiologia da comunicação, contraposta à semiologia da significação de Barthes – só na década de sessenta viria a ganhar corpo com a obra de Buyssens e Prieto5. O próprio Buyssens escreve na introdução à sua obra que "a história da semiologia não é longa. Antes de Saussure, encontram-se, sobretudo entre os lógicos, observações gerais referentes aos signos ou aos símbolos. (...) Desde Saussure até à Segunda Guerra Mundial, só houve um ensaio de semiologia que ultrapassasse as banalidades encontráveis em qualquer obra a respeito da linguagem, a saber Le parallélisme logico-gramatical de Charles Serrus" . Também Charles Sanders Peirce (1839-1914), para quem a semiótica era, enquanto doutrina formal dos signos, apenas um outro nome da ciência da lógica, e que a par de Saussure é considerado um dos pais da semiótica contemporânea, apresenta-se como pioneiro da nova ciência. Mas apesar dos esforços de Peirce na sistematização da nova ciência, em 1938 Charles Morris declara que apesar de "os signos nunca terem sido estudados tão intensamente, por tantas pessoas de tantos pontos de vista, (...) ainda falta uma estrutura teórica, simples nas suas linhas gerais, mas suficientemente compreensiva para abranger os resultados obtidos de diferentes pontos de vista e uni-los num todo consistente" . O seu intento é, daí, esboçar a novel ciência, a teoria dos signos ou semiótica; traçar-lhe fragmentariamente os contornos, pois que uma apresentação cabal seria à altura impossível em parte devido ao incipiente desenvolvimento da mesma. Pode-se então dizer "que existe desde o princípio do século a proposta de uma teoria geral dos signos" e que essa proposta se vem realizando desde meados do século. Esta realização tornou-se visível não só ao nível das publicações, mas também ao nível das instituições necessárias à identificação de uma ciência. Como escreve Jürgen Trabant "só se pode considerar que uma disciplina científica tem existência oficial quando se dota a si mesma de insígnias institucionais como uma associação ou um jornal ou quando existem já institutos científicos com o nome dessa disciplina." Ora segundo este mesmo autor, a semiótica dispõe desde os finais dos anos sessenta dessas instituições: em 1969 foi criada a International Association for Semiotic Studies e iniciou-se a publicação do respectivo órgão científico Semiotica (Haia). Enfim, para alguém se dar conta de quão recente é a semiótica basta abrir um qualquer dos manuais universitários da disciplina de semiótica. Aí aparece invariavelmente a semiótica como criação científica do século XX. A temática estudada pela semiótica, porém, não é recente. O estudo dos signos é tão antigo como o próprio pensamento filosó-fico. Efectivamente não é outra a tese a retirar dos estudos de Ernst Cassirer na sua Filosofia das Formas Simbólicas, nomeadamente quando mostra que a questão da linguagem, e concomitantemente a dos signos, é tão antiga como a questão do ser. Testemunho dessa antiguidade é claramente o diálogo Crátilo de Platão. A questão sofista da exactidão dos nomes, é retomada a propósito da relação entre nomes e coisas: É essa relação natural, ditada pela natureza do ser e da língua, ou meramente convencional? A posição de Crátilo, a de uma correspondência entre as palavras e os entes, é ironicamente destruída por Sócrates. Mas também a tese defendida pelo opositor de Crátilo, Hermógenes, a de que essa relação é fruto da arbitrariedade, não obtém o assentimento de Sócrates. Pelo contrário, embora não haja uma relação similar directa entre a coisa e nome, há uma relação mediata mais profunda. No processo dialéctico do conhecimento, a palavra constitui como que um veículo para se alcançar o conteúdo significativo dos ideias puras. Esta concepção do função dialéctica da linguagem é desenvolvida por Platão na Sétima Carta. Aí apontam-se quatro níveis de conhecimento do objecto: o nome, a definição, a imagem e a ciência. Platão dá o exemplo do círculo. Sobe-se dialecticamente até ao conhecimento da sua essência, primeiro mediante a nomeação, segundo através da definição, isto é, explicando o significado pelo nome ao determiná-lo como a figura que tem as extremidades a uma distância perfeitamente igual do centro, terceiro pela imagem, seja pelo desenho que se traça na areia e que se apaga, seja pela forma que se molda num torno. Nenhuma destas formas de conhecimento alcança o verdadeira essência do círculo, pois que se situam no âmbito do devir e não do ser. Mas só mediante elas se chega ao quarto nível do conhecimento, à ciência. O verdadeiro saber não é com efeito de natureza simbólica, mas só simbolicamente se acede a esse saber. Por seu lado, Tzvetan Todorov, ao estudar a origem da semiótica ocidental, vai ao ponto de chamar a Agostinho de Hipona o primeiro semiótico. Todorov considera que as considerações de Sto Agostinho sobre os signos são os primeiros estudos a obedecer aos dois critérios que em seu ver delimitam a semiótica. Em primeiro lugar, os estudos de Sto Agostinho têm claramente propósitos cognitivos; o objectivo de Sto Agostinho é nesse campo o conhecimento e não a beleza poética ou a pura especulação. Em segundo lugar, Sto Agostinho estuda os signos em geral e não apenas os signos linguísticos. Ora Sto Agostinho, como nota Todorov, não inventou a semiótica, ele fundamentalmente preocupa-se em compilar as teorias já existentes, sobretudo as doutrinas dos estóicos sobre os signos. Sto Agostinho fornece à vez duas definições de signo que, na opinião de Todorov, contemplam o plano semântico e o comunicacional. A primeira definição de signo assenta na sua função designativa ou representativa: "Um signo é o que se mostra a si mesmo ao sentido, e que, para além de si, mostra ainda alguma coisa ao espírito." (De Dialectica). Ao apresentar-se directamente aos sentidos, o signo oferece mais que a sua presença, ele apresenta ao espírito algo que está ausente aos sentidos. O que caracteriza pois o signo é a mediação representativa ou designativa que faz de um terceiro. A esta dimensão semântica do signo junta Agostinho a dimensão comunicacional. "A palavra é o signo de uma coisa que pode ser compreendida pelo auditor quando é proferida pelo locutor". A introdução da dimensão comunicacional na análise sígnica constitui, segundo Todorov, uma novidade da incursão agostiniana nos domínios semióticos. Essa dimensão não se encontra nem em Aristóteles nem nos estóicos. Mas é justamente a introdução da dimensão comunicacional que leva Agostinho a uma análise sobre o signo diferente e mais complexa que a dos estóicos. Os estóicos dividiam o signo em três elementos: o significado, o significante e o objecto. Sto Agostinho apura agora quatro elementos constituintes do signo: a palavra (verbum), o exprimível (dicibilis), a expressão (dictio) e a coisa (res). Estabelecendo uma correspondência com a terminologia estóica verifica-se que em Agostinho parece existirem dois termos, verbum e dictio, para designar o significante. A explicação avançada por Todorov, é que a análise agostiniana faz a distinção entre o sentido do processo de comunicação e o do processo de significação. Um é o sentido vivido, o sentido que o locutor transmite ao ouvinte; esse é o sentido dizível. A dictio, por seu lado, aponta para o mero sentido semântico ou referente. Todorov sugere, portanto, que dictio não se encontra tanto ao nível do significante como do significado. Obviamente não se trata de fazer aqui uma exposição detalhada da "semiótica agostiniana", para isso haveria que ir às fontes e não nos quedarmos pela exposição de Todorov; o que importa aqui salientar é, isso sim, a antiguidade da temática semiótica e, simultaneamente, a profundidade de alguns estudos antigos sobre essa matéria. Outros exemplos de investigações semióticas encontram-se também em pensadores medievais, renascentistas e modernos. Na filosofia portuguesa mereceriam atenção particular as Summulae Logicales de Pedro Hispano, o Tratactus de Signis de João de São Tomás e as Institutiones Dialecticae de Pedro da Fonseca. Se a temática semiótica é tão antiga como o pensamento filosófico e se ao longo dos séculos ela tem sido investigada por vezes com bastante profundidade, então é com certeza pertinente a questão sobre a justeza da reivindicação, atrás referida, do estabelecimento contemporâneo da semiótica enquanto ciência. Constituem os estudos semióticos no século XX mais do que uma continuação dos estudos efectuados nos séculos passados? Onde e em quê reside a novidade que legitima a fundação da semiótica qua ciência no século XX? São dois os factores que, a meu ver, demarcam os estudos semióticos contemporâneos face aos antigos e, simultaneamente, instituem a semiótica como ciência. O primeiro factor é a definição do lugar dos estudos semióticos no contexto dos estudos científicos: a semiótica é enquadrada epistemologicamente. Anteriormente as investigações semióticas integravam-se em contextos tão diversos como os da teoria do conhecimento, da lógica, da ontologia, da estética ou da teologia. Não tinham uma autonomia científica. Ora o que caracteriza, por exemplo, a fundação saussureana da semiologia é, antes de mais, o estabelecimento exacto da mesma no conjunto das ciências. A semiologia é a ciência geral dos signos que se integraria na psicologia social e, consequentemente, na psicologia geral; na semiologia integrar-se-ia por sua vez a linguística enquanto ciência específica dos signos linguísticos. A semiologia fica assim delimitada a montante e a jusante na árvore das ciências. O facto de o enquadramento psicológico da semiologia por Saussure não colher, nem tão pouco nas suas próprias investigações linguísticas, não constitui uma objecção à novidade que representa esse enquadramento epistemológico. A mesma preocupação de fixar epistemologicamente a semiótica encontra-se na escola americana. Ao encarar a semiótica como ciência do signos, Peirce concebe-a como a ciência geral que, à maneira da mathesis universalis leibniziana, engloba todas as outras ciências. A semiótica é uma fisiologia das formas constitutivas de todo o pensamento que procura sobretudo elaborar enquanto gramática especulativa uma teoria fenomenológica dos signos. Também Morris, ao estabelecer em 1938 os fundamentos de uma teoria dos signos, tem como preocupação primeira, demarcar o lugar da semiótica no conjunto das ciências. Aliás o já referido trabalho de Morris constitui o segundo subsídio para a Enciclopédia da Ciência Unificada. Morris determina logo nas primeiras páginas o lugar da semiótica: "A semiótica tem uma dupla relação com as ciências: ela é simultaneamente uma ciência entre as ciências e um instrumento das ciências.(...) é uma ciência coordenada com as outras ciências, estudando as coisas ou as propriedades das coisas na sua função de servir se signos e é também o instrumento de todas as ciências, na medida em que cada ciência faz uso e exprime os seus resultados em termos de signos" . Na esteira de Peirce, Morris apresenta, assim, a semiótica enquanto ciência geral dos signos como organon da meta-ciência (a ciência da ciência) "na medida em que cada ciência faz uso e exprime os seus resultados em termos de signos". Morris serve-se da argu-mentação de Carnap exposta em "Empirismo Científico", que constituíra o 1º volume da Enciclopédia, para fundamentar a reivindicação da semiótica a organon da ciência. Carnap argumentara ser possível incluir sem excepção o estudo da ciência no estudo da linguagem da ciência dado o estudo dessa linguagem implicar não só o estudo da sua estrutura formal (sintaxe), mas também a sua relação com os objectos designados (semântica) e com as pessoas que a fazem. Morris acrescenta então que "um estudo da linguagem da ciência tem de usar signos referindo-se a signos e que cabe à semiótica fornecer os signos relevantes e os princípios para levar a cabo esse estudo. A semiótica fornece uma linguagem geral aplicável a qualquer espécie de linguagem ou signo, e, assim, é aplicável à linguagem da ciência e aos signos específicos que são usados na ciência". É aliás nesta senda da compreensão da semiótica como verdadeira ciência primeira (a prima philosophia cartesiana), que Morris remete muitas das problemáticas filosófico-epistemológicas para a semiótica. Morris vai mesmo ao ponto de reduzir a lógica, a matemática e a linguística à semiótica. O lugar da semiótica no conjunto das ciências é, assim, claramente o primeiro, no sentido aristotélico ou cartesiano de primeira ciência. O outro factor importante na instituição contemporânea da semiótica foi indubitavelmente a sua sistematização. Hoje a semiótica como qualquer ciência estabelecida subdivide-se em disciplinas. A divisão mais corrente é justamente a avançada por Morris: sintaxe, semântica e pragmática. Se, por um lado, estas subdisciplinas tendem cada vez mais a autonomizar-se e mesmo a entrar pelos campos das disciplinas vizinhas, mostrando a fluidez das fronteiras científicas, por outro, nunca as relações entre os diferentes campos semióticos foram cientificamente tratadas como acontece hoje. Os séculos passados forneceram excelentes análises sintácticas e semânticas, mas só no século XX as relações entre os campos sintáctico e semântico foram cientificamente tematizadas. Quanto ao campo pragmático, ainda que de certo modo tematizado na retórica clássica, só no nosso tempo viu reconhecida a sua crucial importância para toda a semiótica. A sistematização da semiótica enquanto acto científico é acompanhada obviamente por uma compendiação escolar da mesma. Os manuais de semiótica, as obras de introdução, multiplicam-se. A semiótica estabeleceu-se definitivamente como disciplina curricular de diversos cursos superiores. Esta é a imagem mais visível da sistematização da semiótica e que, last but not least, a justifica como ciência do século XX, apesar da sua tradição milenar.