Pulo do Lobo

Um blog para os apreciadores do silêncio ...

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Localização: Neta, Alentejo, Portugal

segunda-feira, novembro 07, 2005

Mayombe


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A amoreira gigante está à sua frente. O tronco destaca-se do sincretismo da mata e o homem percorre seu tronco com os olhos: a folhagem da árvore mistura-se à profusão de tons verdes que o encerra na mata. Só o tronco da árvore se destaca, se individualiza. Tal é o Mayombe: os gigantes só o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal o homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha verde predominante faz esbater progressivamente a claridade do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida.” Protegido do sol tórrido da chama, o guerrilheiro deixa-se cair à sombra compacta das árvores. Fatigado, cai em pesado sono, mas, pouco depois acorda sobressaltado: um raio de sol vence a copa densa do telhado verde do Mayombe e projeta-se lentamente sobre seu rosto, como a mira certeira da arma do inimigo. O homem levanta-se e empreende, mais uma vez, seu caminho tortuoso pela mata desconhecida, cuidando não deixar traços da sua passagem. Pára muitas vezes e decifra com cautela os ruídos da floresta, até que um som familiar lhe chega aos ouvidos: o rio corre manso à sua frente e o rumor das águas densas aguça-lhe a sede imensa e anestesia seus ouvidos com seu cantar constante e sutil. O homem engatinha para a margem e vence, mais uma vez, o emaranho de galhos, folhas e cipós. Mergulha a cabeça na água fria e pára de respirar por instantes para que a água fresca refresque-lhe a boca ressecada e inunde-lhe a garganta sedenta. Levanta a cabeça mais uma vez e mergulha, por fim, nas águas frias do rio para que a água retire de seu rosto o pó acumulado nos incontáveis dias de caminhada. Mergulha mais algumas vezes e, prostrado, cai em sono profundo com metade do corpo na margem, metade nas águas densas do Lombe.
Pepetela