Pulo do Lobo

Um blog para os apreciadores do silêncio ...

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Localização: Neta, Alentejo, Portugal

segunda-feira, maio 23, 2005

Quebrámos o enguiço


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Viva o Glorioso !

domingo, maio 22, 2005

Andamos a dormir


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As crianças obrigam-nos a pensar sobre o futuro. Ainda que a atracçao gravítica do buraco negro da nossa galáxia esteja ainda longe, o aquecimento do planeta e consequente derretimento das calotes polares é já irreversível. Centenas de milhares de espécies animais e vegetais vao desaparecer nos próximos 50 anos, se , como até agora, nada for feito no sentido de reduzir as emissoes de CO2. Tenho fé que o povo americano , noutras causas tao nobre, acorde para esta triste realidade. Como é que os políticos de hoje vao conseguir ter uma reforma merecedida deixando a mais pesada herança de sempre. A inevitabilidade da extinçao .

Florbela


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Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.
Antónia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não há assim lugar ao habitual regozijo de tais momentos. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A mãe morre algum tempo depois.
Tem infância sem falta de carinhos e a sua subsistência não será ensombrada por insuficiências que atingem muitas das crianças que nascem em circunstâncias semelhantes.
O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao "querido papá da sua alma" escreve que a "mamã" cuida dela e do mano "mas se tu morreres/ somos três desgraçados" .
Será acarinhada pelas duas madrastas, como revelará na sua própria correspondência.
Ingressa no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.
Não são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia. Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo, prenunciam o que virá depois.
Esta precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e outras tendências do designado "Modernismo", e que emergem como as grandes referências literárias da época. Das quais Florbela parecerá arredada.
Inicialmente sem dificuldades económicas, como deixa perceber. Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Publica vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.
Edita os seus primeiros livros, Livro de mágoas em 1919, e em 1923 Livro de Soror Saudade, onde incluirá grande parte da produção anterior.
Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.
Contrai matrimónio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efectuará. Do segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de Soror Saudade, titulo diferente do projectado e esquecendo a dedicatória.

AS FACES DUMA PERSONALIDADE


Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês, como evidencia nos vários retratos que de si faz ao longo dos seus escritos.
Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora.
Uma quase inventariação das suas diferentes personalidades desenha-se nas palavras de um dos seus contos, a que deu o titulo À margem de um soneto que integra o volume intitulado O Dominó Preto.
Inicia-o falando duma poetisa, a dizer que "vestida de veludo branco e negro, estendeu a mão delgada, onde as unhas punham um reflexo de jóias....", informando um visitante de que tinha fechado o seu "livro de versos... com um belo soneto!"
Segue, "num olhar... afogado em sonho" e "numa voz macia e triste" a leitura do soneto e termina com "o mal de ser sozinha"...suportando "o pavoroso e atroz mal de trazer/ tantas almas a rir dentro da minha!...."
O conto continua em tons e quadros que Florbela frequentemente considera como de si própria e aqui atribui a suposta romancista brasileira: "feia, nada elegante, inteligente, mas com o talento, o espírito e a graça, e sobretudo o encanto, duma imaginação extraordinária, palpitante de vida, apaixonada e colorida, sempre variada, duma pujança assombrosa."
Pondo na mente do marido da personagem, o seu próprio discurso, vai enunciando as "almas diversas que eram dela" e que "ocultava dentro de si".
Entrevê a personagem "imaculada, ingénua, fria, longínqua"; "inacessível e sagrada" de "imaterial beleza" e "a morrer virginal e sorridente".
Referindo um outro imaginário romance apresenta-se "ardente e sensual, rubra de paixão, endoidecendo homens, perdendo honras..."
Com alusão a terceiro presumível livro, qualifica-se "céptica e desiludida, irónica, desprezando tudo, desdenhando tudo, passando indiferente em todos os caminhos, fazendo murchar todas as coisas belas". Mente "dia e noite só pelo prazer de mentir" e "beija doidamente um amante doido."
Quem, ao ler a sua obra poética, a sua prosa, as suas cartas, os seus outros escritos, não a vê usar um milhar de vezes para si própria, termos semelhantes, ultrapassando até tais qualificativos e exageros?
Antes do final ainda a exaltação do ser poeta, que se pode considerar uma das suas constantes:
"- As almas das poetisas são todas feitas de luz, como as dos astros: não ofuscam, iluminam...."
Quem é realmente Florbela?
Ninguém é definível numa só dimensão, num só conjunto de qualidades. Todo o ser é uma intersecção de adjectivações diferentes e até opostas, ensina-me, desde a juventude, o meu amigo Diogo de Sousa, que cursava Filosofia.
No caso da poetisa tem a particularidade de ser ela própria a evidenciá-lo, permanentemente e sem constrangimentos. Parafraseando António José Saraiva e Oscar Lopes na História da Literatura Portuguesa: estimula e antecede o "movimento de emancipação literária da mulher" que romperá "a frustração não só feminina como masculina, das nossas opressivas tradições patriarcais...."
Na sua escrita é notável, como dizem os mesmos mestres, "a intensidade de um transcendido erotismo feminino". Tabu até então, e ainda para além do seu tempo, em dizeres e escreveres femininos.
Os referidos autores, em capitulo sob o titulo Do simbolismo ao modernismo, enumerando várias tendências como "método de exposição ... pedagógica" incluem Florbela num grupo que designam como "Outros poetas". Qualificam-na como "sonetista com laivos parnasianos esteticistas" e "uma das mais notáveis personalidades líricas".
O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.
Sedenta de glória, diz Henrique Lopes de Mendonça, transcrito por Carlos Sombrio.
Na sua escrita há um certo numero de palavras em que insiste incessantemente. Antes de mais, o EU, presente, dir-se-á, em quase todas as peças poéticas. Largamente repetidos vocábulos reflexos da paixão: alma, amor, saudade, beijos, versos, poeta, e vários outros, e os que deles derivam.
Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo.
Não se coloca como observadora distante, mesmo quando tal parece, exterior a factos, ideias, acontecimentos.
Curiosa é a posição da poetisa quanto ao casamento. Mau grado dizer que a única desculpa que se atribui é ter casado por amor (!!!), várias vezes se afirma inteiramente contra, apesar de ter contraído matrimónio por três vezes...
Entre os poetas seus preferidos destacam-se António Nobre, Augusto Gil, Guerra Junqueiro, José Duro e outros de correntes próximas. Interessa-se também por Antero.
Pela não publicação das suas obras, ora se mostra descontente por não encontrar editor para os livros que, após os dois primeiros, deseja dar a público, ora pretende mostrar-se desinteressada, mesmo desdenhosa pelo facto. Embora o desgosto seja saliente.
Passados perto de setenta anos sobre a sua morte são falados comportamentos menos ortodoxos em relação à moral sexual do seu tempo. Algumas expressões de emocionalidade um tanto excessiva para a época, embora não exclusivas da escritora, ajudam a suspeita.
Lembramos a sua correspondência e as referências ao irmão, Apeles. Os seus excessos verbais parece não passarem disso mesmo - imoderação para exprimir uma paixão. Aqui, exaltação fora do comum de um amor fraternal mas que não destoa do falar dos seus sentimentos.
Semelhante escrever na correspondência com uma amiga. Afinal nunca esteve junto dessa mesma amiga e apenas a viu em retrato.
Esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são uma constante.
Fernanda de Castro, em escrito retido por Carlos Sombrio, explica as suas contradições, ao dizer" não soube viver sem quebrar preconceitos, algemas, correntes - e não teve coragem de os quebrar todos".
Florbela, poetisa, não pode ser separada da sua condição de mulher, das suas paixões, da sua maneira de ser, da sua vida, das suas contradições, humildade e orgulho, preconceitos, sua presença e ausência, seus amores e desamores, explica-me a minha jovem amiga Clara Santos, florbelista militante.
A sua única preocupação é ela própria, o amor, a paixão... o querer e o não querer. A par duma vida pouco comum para os cânones vigentes - dois divórcios e três casamentos em cerca de quinze anos - essa relação mulher-paixão e a exaltação ao exprimir-se sobre si própria, podem ter contribuído para os conceitos aludidos.
Repare-se neste começo de um dos seus mais conhecidos sonetos:
Eu quero amar, amar perdidamente ! Amar só por amar: Aqui ... além...
Este e Aquele, o Outro e toda a gente ... Amar ! Amar! E não amar ninguém !
Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente!

Na época, conservadora como diz ser, leva a crer muito provavelmente, num viver que nos factos se coadunará e não se distanciará dos conceitos morais e sociais vigentes.

FLORBELA, A ESCRITORA E O CULTO

Pergunto-me o porquê da visibilidade de Florbela e da sua aceitação por um público muito mais vasto que o de muitos outros escritores seus contemporâneos, anteriores e posteriores, de qualidade se não superior, pelo menos semelhante, e de interesse e caracter mais universalista, com preocupações capazes de fazerem apelo a um mais vasto e amplo leque de sensibilidades.
Se a sua obra apresenta inegável interesse e beleza, não deixa de constituir surpresa para alguns críticos, o impacto junto do público leitor, comparado com o de outros autores de igual valia e que fora dos meios ditos intelectuais pouco ou nada são conhecidos.
Abrimos a referida História da Literatura Portuguesa, contamos os vários nomes de escritores aí citados na mesma época, atentamos na análise deles feita pelos insuspeitos autores e constatemos o numero dos que praticamente continuam envoltos numa bruma. Mesmo para leitores de mais largos voos muitos não passam de meros desconhecidos.
Após vasta inventariação de publicações, José Augusto França, na sua obra Os anos vinte em Portugal, indicando umas dezenas de escritores, a Florbela se refere dizendo-a "escondida de todos", acrescentando todavia que "foi ela o caso de mais profunda criação entre as mulheres que publicaram nos anos 20 portugueses".
Para outros não é um astro da grandeza de vários dos seus contemporâneos. Estará um tanto em atraso, quer quanto à forma, quer quanto às suas preocupações. Como explicar então que seja qualificada por muitos como um dos vultos do século - e o seja, pela projecção que acaba por atingir?
Hernâni Cidade referirá "a violenta contradição entre o conceito de poesia de duas épocas distantes ou próximas".
Alguns críticos entrelinham a análise do seu comportamento e da sua obra com dizeres onde se pressente um esforço para evitarem uma sentença relativamente dura.
Natália Correia, em longo prefácio a uma edição de Diário do último ano fala do "coquetismo patético" e refere a sua "poesia maquilhada com langores de estrela de cinema mudo, carregada de pó de arroz". E continua, exagerando um tanto, dizendo que a escritora "estende-se na chaise-longue dos seus quebrantos de diva de versos. Muito a preceito da corte dos literatos menores. Uma cadelinha de luxo acarinhada no chá-das-cinco das senhoras do Modas e Bordados e do Portugal Feminino para explicar que isso nasce da sua insensibilidade "a rupturas engendradas pelas crises do discurso lógico masculino".
Porquê então tal expansão?
O seu culto começa nela própria.
Leia-se o poema, cantado por conhecido grupo musical e um dos mais belos:

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e Alem Dor!

É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
É condensar o mundo num só grito!

E quantas e quantas vezes Florbela nos recorda que é poeta! E com que euforia:

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Poucos poetas o farão tão repetidamente...
De modo algum pomos de lado a beleza do que escreve, da maneira como se exprime, e do que ocupa a sua escrita.
Sem excluir a qualidade literária, não serão porém inteiramente estranhos ao multiplicar da sua leitura, aspectos que de certo modo lhe serão alheios. Entre outros, o auto retrato da sua vida que desenha um tanto distante do ordenamento e preconceitos sociais da sua época, as variadas contradições, ou aparência de contradições (como admite José Régio) a tragédia da sua morte, o seu empenhamento na publicação, esforçado e continuado, os locais onde vive, propensos à glorificação dos naturais ou próximos, o seu proto-feminismo diferenciado do que se lhe seguirá uns anos mais tarde, mas capaz de chamar a atenção.
Um nome, Guido Batelli, italiano, professor da Universidade de Coimbra, não poderá ser esquecido. Ao traduzir para a sua língua vários dos poemas de Florbela, cria um facto que não se pode dizer muito comum .
E admirando-a sinceramente, contribuirá para a edição (póstuma) de Charneca em Flor, Reliquiae e Juvenilia. É provavelmente com a sua intervenção que se fazem as primeiras reedições do Livro de Mágoas e do Livro de Soror Saudade.
Régio, sobre o silêncio da Presença, de que diz ter vergonha, explica que só mais tarde a conhece. Chama-lhe "poesia viva" que "nasce, vive e se alimenta do seu (...) porventura demasiado real caso humano". Acompanhará sucessivas reedições de uma parte dos poemas com extenso e elucidativo prefácio, datado de 1950, onde faz análise valiosíssima, exaltando a obra e destacando alguns dos mais brilhantes momentos da poetisa...
Mas é, possivelmente, António Ferro que, em artigo do Diário de Noticias, logo em Janeiro de 1931, chama a atenção para a poesia de Florbela e provoca um acordar de críticos e leitores que até ao presente se não extingue.

A PROSA

A prosa de Florbela exprime-se através do conto e de um diário que antecede a sua morte e em cartas várias, de natureza familiar umas, outras tratando de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspectos mais práticos, como a sua publicação. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa - naturalidade e simplicidade.
Nos contos, compilados em dois volumes, O Dominó Preto e As Máscaras do Destino, muitas vezes um certo sentido autobiográfico, intimista.
No já referido À margem de um soneto, como atrás dizemos, parece pretender retratar as diferentes personalidades em que se vê, contraditórias e provocantes em relação à época
Num outro conto, Amor de outrora, pressente-se um recordar de ocorrências da sua vida e dos seus enganos e desenganos de amor, desde o primeiro ao terceiro casamento. Várias cartas, para os maridos e para os apaixonados que aparentemente pretende afastar, e para o pai, em que procura justificar algumas situações, ajudam a este entendimento.
Em Crime do Pinhal, ao lado dos "lavadores de honra" pelo assassinato de um sedutor, duas mães no afecto da mesma criança. As suas "madrastas mães" cujo grande e simultâneo afecto por Florbela é retribuído?
No inicio de As Máscaras do Destino, dedicatória a Apeles, o seu Morto, para quem mais uma vez palavras de exaltação e dor, que complementa em O Aviador, visão mítica da morte do irmão amado.
Ao longo dos contos encontram-se frases de grande beleza e força. As expressões de desejo, carregadas de erotismo, atribuídas à personagem do segundo dos referidos contos – que, de algum modo, exprimem as suas contradições na transição para a libertação da mulher. Não podemos porém deixar de os considerar por vezes carecendo de uma certa densidade. Um excessivo uso de palavras e imagens, que pouco ou nada acrescentam ao que pretende sugerir, contribui para uma menos conseguida "análise profunda dos sentimentos e paixões", observa Y. Centeno. E, como nota a mesma escritora, quase permanente é a qualificação das mulheres em puras e impuras, em excelentes e megeras.
As suas cartas, sem a pretensão da criação literária, e talvez por isso, a par da informação factual, apresentam uma visão muito menos enfeitada e artificiosa da sua vivência. Permitem conhecê-la melhor e exprimem estados de alma mais próximos duma humanidade real do que a sua prosa formal e, até, alguns dos seus momentos poéticos.
Sobressaem as que envia à sua amiga Júlia Alves, com quem nunca se encontrará, com quem troca impressões sobre os mais variados assuntos e a quem expõe a sua alma à medida que o relacionamento vai progredindo. Numa delas dirá: "preciso tanto de ser embalada devagarinho... suavemente... como uma criança pequenina, sonhando de olhos fechados, num regaço carinhoso e quente!..." O que talvez ajude a compreender a sua vida e a sua morte.
Numa outra, já após o primeiro casamento, afirma - e isto é por ela redito e contradito: "uma das coisas melhores da nossa vida... é o amor, o grande e discutido amor... " acrescentando umas linhas a seguir que "no entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal..."
Escreve à sua amiga com frequência que não deixa de surpreender. Em dias seguidos. Num mesmo dia três missivas distintas. Na que se presume ser a última, um pouco menos de um ano depois da primeira, e já sem o calor que se pressente nas anteriores, agradece dizendo que não esquece o ter-se sentido compreendida e estimada
Em correspondência dirigida a outras personalidades mostra-se triste pois não vê facilitado o caminho para a publicação dos seus livros.
A Raul Proença deixa claro o seu desânimo com o que este pensa dos seus versos, juntando outros sonetos perguntando se desses gosta. O escritor virá a proporcionar-lhe a publicação (Livro de Mágoas).
Traduzirá dois livros (e possivelmente outros), um de Pierre Benoit, Mademoiselle de la Ferté, que constitui leitura obrigatória dos adolescentes da década seguinte à sua morte, e Dois Noivados de Clambol, editados pela Liv. Civilização, do Porto. Assina as traduções como Florbela Espanca Lage. Antes, em várias circunstâncias, usara Florbela Moutinho, apelido do primeiro marido.

O FIM

No último ano de vida elabora um Diário, onde deixará anotações até escassos dias antes do trágico fim. Prefácio a esse fim.
Logo no início explica não ter qualquer objectivo ao escrevê-lo.
Pouco depois do começo espera que "quando morrer é possível que alguém" ao lê-lo "se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão," sobre o que foi ou julgou ser. "E realize o que eu não pude: conhecer-me".
Define-se "honesta sem preconceitos, amorosa sem luxúria, casta sem formalidades, recta sem princípios, e sempre viva", o que encaminha para algumas das questões que se põem..
Depois de recordar os nomes de companheiros e mostrar uma vez mais o amor pelo irmão, Apeles, aviador, cujo desaparecimento em desastre do seu avião a faz sentir mais só. Diz não compreender o medo que a morte causa à jovem autora de um Diário de que reproduz algumas frases.
Examina-se diante do espelho e dizendo-se "grosseira e feia, grotesca e miserável" põe em dúvida se saberia fazer versos. Colocando-nos uma vez mais em face das contradições que a atormentam permanentemente e que exprime numa outra frase: "Viver é não saber que se vive".
À medida que caminha para o final as anotações são cada vez mais raras e curtas.
Afirma que as cartas de amor que escreveu resultavam apenas da sua necessidade de fazer frases. E em oposição frontal com o dito páginas atrás escreve "se os outros não me conhecem, eu conheço-me".
Poucos dias antes de morrer interroga-se "que importa o que está para além?" Responde, repetindo o que diz no soneto A um moribundo: seja o que for será melhor que o mundo e que a vida.
A morte anunciada ao longo da sua escrita ocorrerá pouco depois. Põe fim à vida em 8 de Dezembro de 1930, dia em que faz trinta e seis anos, em Matosinhos, onde vive. Aí é enterrada sendo mais tarde trasladada para a sua terra natal.
Com Florbela morre, não talvez a maior poetisa do seu tempo, mas uma das que mais agudamente e sem temor exprimiu as grandes contradições da sensibilidade feminina nas suas paixões. Ao mesmo tempo, com uma certa ingenuidade, impregnada das verdades simples ou complexas do que é a mulher, na convergência da cultura e do ser.
Que conduz Florbela para a morte?
Fernanda de Castro, em escrito citado por Carlos Sombrio, sintetiza a resposta: "Porque nunca soube pôr de acordo o seu corpo, o seu espírito e a sua alma".
Do acontecimento os jornais quase não dão notícia. Fá-lo-ão a partir daí.
Postumamente são publicadas, por iniciativa do professor Guido Batelli, como atrás se diz, os dois livros de poemas Charneca em Flor e Reliquiae, duas colectâneas de contos, Dominó Negro e Máscara do Destino e uma outra de poesia, Juvenilia.
Começo de uma sucessão de reedições que no caso da poesia alcança já, em alguns casos, a ordem das três dezenas, ou mais, se recordarmos a dispersão editorial.
E alem das de Guido Batelli, algumas traduções, não apenas para italiano.

terça-feira, maio 17, 2005

Os dias que correm ...


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Talvez fosse tempo de percebermos os ismos dos dias que correm. Na minha opiniao , ainda que involuntariamente, a generalidade das massas urbanas sao cada vez mais nihlistas. Talvez do tipo existencialistas mas sempre nihlistas. Para quem como eu, que cada vez vai tendo menos ilusoes, o que resta é quase nada. Desculpem esta nota de pessimismo mas a falta de perspectiva "positiva" (concreta,)para as actuais geraçoes dos 30 e tais e 40 e tais,obrigam a repensar o conceito de comunidade no que ela tem de mais próxima com a frustraçao colectiva. Os surpreendentes níveis de violência doméstica e urbana sao uma primeira consequência. A seguir far-se-á a caça às bruxas. Os políticos que se cuidem, pois o povo de brandos costumes já foi chao que deu uvas.

segunda-feira, maio 16, 2005

Confissao de Lúcio


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Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida e para os sonhos… nada podendo já esperar e coisa alguma desejando - eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é, demonstrar a minha inocência.Talvez não me acreditem. Decerto que não me acreditam. Mas pouco importa. O meu interesse hoje em gritar que não assassinei Ricardo de Loureiro é nulo. Não tenho família; não preciso que me reabilitem. Mesmo, quem esteve dez anos preso, nunca se reabilita. A verdade simples é esta.E aqueles que, lendo o que fica exposto, me perguntarem: - "Mas por que não fez a sua confissão quando era tempo? Por que não demonstrou a sua inocência ao tribunal?" - a esses responderei: - A minha defesa era impossível. Ninguém me acreditaria. E fora inútil fazer-me passar por um embusteiro ou por um doido… Demais, devo confessar, após os acontecimentos em que me vira envolvido nessa época, ficara tão despedaçado que a prisão se me afigurava uma coisa sorridente. Era o esquecimento, a tranqüilidade, o sono. Era um fim como qualquer outro - um termo para a minha vida devastada. Toda a minha ânsia foi pois de ver o processo terminado e começar cumprindo a minha sentença.De resto, o meu processo foi rápido. Oh! o caso parecia bem claro… Eu nem negava nem confessava. Mas quem cala consente… E todas as simpatias estavam do meu lado.O crime era, como devem ter dito os jornais do tempo, um "crime passional". Cherchez la femme. Depois, a vítima um poeta - um artista. A mulher romantizara-se desaparecendo. Eu era um herói, no fim de contas. E um herói com seus laivos de mistério, o que mais me aureolava. Por tudo isso, independentemente do belo discurso de defesa, o júri concedeu-me circunstâncias atenuantes. E a minha pena foi curta.Ah! foi bem curta - sobretudo para mim… Esses dez anos esvoaram-se-me como dez meses. É que, em realidade, as horas não podem mais ter ação sobre aqueles que viveram um instante que focou toda a sua vida. Atingido o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer. Vibradas as sensações máximas, nada já nos fará oscilar. Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que o vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou - apenas - os desencantados que, muita vez, acabam no suicídio.Contudo, ignoro se é felicidade maior não se existir tamanho instante. Os que o não vivem, têm a paz - pode ser. Entretanto, não sei. E a verdade é que todos esperam esse momento luminoso. Logo, todos são infelizes. Eis pelo que, apesar de tudo, eu me orgulho de o ter vivido.Mas ponhamos termos aos devaneios. Não estou escrevendo uma novela. Apenas desejo fazer uma exposição clara de fatos. E, para a clareza, vou-me lançando em mau caminho - parece-me. Aliás, por muito lúcido que queira ser, a minha confissão resultará - estou certo - a mais incoerente, a mais perturbadora, a menos lúcida.Uma coisa garanto porém: durante ela não deixarei escapar um pormenor, por mínimo que seja, ou aparentemente incaracterístico. Em casos como o que tento explanar, a luz só pode nascer de uma grande soma de fatos. E são apenas fatos que eu relatarei. Desses fatos, quem quiser, tire as conclusões. Por mim, declaro que nunca experimentei. Endoideceria, seguramente.Mas o que ainda uma vez, sob minha palavra de honra, afirmo é que só digo a verdade. Não importa que me acreditem, mas só digo a verdade - mesmo quando ela é inverossímil.A minha confissão é um mero documento.

sexta-feira, maio 13, 2005

A prova real


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Força Benfica.

quarta-feira, maio 04, 2005

Espírito de artista


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"Eis um dom que possuo, simplesmente, simplesmente ! Um espírito loucamente extravagante, cheio de formas, figuras, vultos, objectos, ideias, fenómenos, emoçoes, metamorfoses. Tudo isto é concebido no útero da memória, sendo alimentado no ventre materno da pia mater, e parteja-o a amadurecedora força da oportunidade. "

Holofernes