Pulo do Lobo
Um blog para os apreciadores do silêncio ...
quarta-feira, março 21, 2007
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Bien sur chére Mme. Angeline
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
O pao de ló
Atrás duma inovação daquelas, veio a sua complementar. Chegou ao conhecimento do P.e Ireneu das Dores, o director, que para os lados de Valbom uma filarmónica, excomungada pelo bispo, sucumbida à concorrência, ou falha de mestre capaz, decidira dissolver-se, para o que iam ser postos em almoeda seus instrumentos e barretinas. Quem dava mais? Comprou-os o Colégio da Pena por uma tuta-e-meia, salvo o fardamento, já se deixa ver. Chegou o instrumental em dois grandes caixotes, porque um só seria excessivamente volumoso com o bombo e caixa. Muito bem acondicionados em palha de embalagem, os metais, trabalhados à pasta Amora, que tinham estado em exposição a tentar o comprador, reluziam como o sol. Não traziam amolgadura que desse nas vistas, mas, procurando bem, dava-se conta, mercê de sinais quase microscópicos, que o baixo, barítono e trombones tinham entrado algumas vezes nos banzés de fim de arraial, arvorados em maças de Hércules e por certo réus de muita cabeça rachada. Os alunos plantaram-se em volta dos caixotes, olhos acesos, boca escancarada, suspenso o fôlego, levemente flectidos no jeito de aprender, numa cabeceira o P. e Ireneu e o P. e Sulpício, dando o centro a mestre Macedo, na outra o P. e Barros, comprimido entre o Zé Ratatau e o Martinho Somelga. O Repas com um martelo e um cinzel procedeu à efracção dos mágicos volumes, mais cautelosamente que um médico manobrando o fórceps. Depois quando todos os instrumentos vieram a lume e que cada um atropelava os outros para os dispor contra o muro e se apresentaram perfilados sobre suas bocas, ou, aqueles que não davam pedestal, deitados sobre o velho Erard, com olhos ansiosos os estudantes consultavam os professores. Ia fazer-se a distribuição. Havia semanas e semanas que os padres matutavam no magno problema, de acordo com Macedo. A última palavra era do mestre. A vocação de cada um tinham-na eles pulsado e classificado numa escala segundo o bom ouvido musical e a falta de bossa. Por minha parte todo me temia. Eu começara por querer aprender flauta, instrumento por que tinha um filé particular, mas que ao cabo de teimosas e infrutíferas tentativas me vira forçado a abandonar por incapacidade para o sopro. Dali passara à rabeca. O Semitela, pai do nosso criado, possuía uma, muito velha, que herdara dum tio imaginário, em que eu vira uma vez um figurão de Lisboa tirar desenfastiadamente variações plausíveis, e dizer: – Arrisca-se a ter aqui um «Stradivarius». Guarde-a!Minha mãe mandou-me a rabeca, à experiência, tentando ao Semitela com boa espórtula, e foi uma risota geral na casa sorumbática. Tinham-lhe aparado o braço de modo a torná-la uma rabeca de descante, ao sabor do corridinho e da chula, e mais modinhas de batuque. O velho Macedo, que tocava todos os instrumentos, afinou-a, mesmo assim, passou resina no arco, e tirou dela meia dúzia de compassos, que estarreceram a todos. Mas breve a encafuava na suja bolsinha de amostras pronunciando:– É boa para os cegos que andam pelas portas.Tentei a mandolina. Ao fim de dois meses não tinha passado do primeiro tempo duma valsa.– Pega tu... pega tu... e lá, ó Sisto, atreves-te com a requinta?Quem falava era o P.e Sulpício, braço direito de Macedo e seu lugar-tenente. Ele é quem tocava órgão no coro, sempre que Macedo faltava.O pega tu era o cornetim para o Eugénio, a flauta para o Miranda, em que já era sabido, a requinta para o Henrique. E tu, mais tu, aquele, para o Zé Ratatau a caixa, pratos para o Martinho Somelga, bombo para o criado, a mim não se me dava nada. Restava uma trompa. O padre encarou-me em silêncio:– Tu serás capaz de dar conta do recado?– Eu, quê? A trompa? Resta saber se quero... – Ai não queres? Melhor.O Macedo olhou para mim:– Aceite a trompa, menino Alexandre, depois se verá...E conformei-me. Dois meses decorridos, acertava com o meu acompanhamento menos mal: epó, epó, epopopó! O casarão, entretanto, tornara-se no cume da serra, em véspera de feriado, o mais vibrante e estrondoso vulcão de ruídos polifónicos que imaginar se pode. As janelas vomitavam gamas como ondas de lava. Os sábados eram os dias cíclicos da astronómica erupção. Uma tarde, a hora de noa, encontrei-me de joelhos diante da Senhora da Pena, muito reginal no seu altar de prata e mármore precioso, a pedir-lhe com todas as veras da alma que dispusesse as minhas faculdades de modo a sair-me bem como executante de trompa na filarmónica do Colégio. Assim era difícil? A mim sempre me pareceu mais complexo que o latim ou a álgebra. Todavia lá ia, dá-lhe que dá-lhe, e se às vezes o Macedo me deitava um olho feroz ou o trombone à direita me largava um cotovelão porque me atrasara no compasso, logo me remetia o melhor possível: pó, pó, po-po-pó... pó. Chegou o mês de Junho, mês das peregrinações. Um dos romeiros, que estava a fazer a semana do Espírito Santo, homem das bandas de Lamego, calça de saragoça, corrente de oiro de tranqueta, dois fios, e um dobrão de D. João V ao pendurão, veio parlamentar com o P.e Ireneu quanto à possibilidade de acompanharmos de fanfarra a grande procissão da sua terra que formava no Miradouro da Nave e avançava para o Santuário, triunfalmente, de pálio, guiões, cruzes alçadas entre bandeiras das confrarias e lanternas. O padre consultou Macedo. Sim, desde que trouxesse o filho para o cornetim, podia dar-se-lhe um jeito...Era dali a seis dias e passámos a ensaiar-nos muitas horas, de manhã ao sol-pôr, com jubiloso menoscabo dos compêndios para nos desempenharmos com honra duma comissão que representava uma vigília de armas.
No sábado à tarde chegou o Macedo Filho. Era um esbelto moço, bigodinho apenas a sombrear-lhe o lábio, alto, desempenado, cabelo em asa de corvo sobre a têmpora direita. Vestia um fatito de cotim, mas de bom corte ou assim me pareceu, que não prejudicava nada a sua elegância natural. E como era simples e sociável conquistou-nos logo a todos e em volta dele éramos outros que tais mirmidões para com uma pessoa real. Contou-nos os passeios que dava com a banda de Aguiar, em que tanto tocava cornetim, como requinta, trombone de vara, ou saxofone. Arranhava todos os instrumentos como o pai, mas do que mais gostava era de violino. Na vila, uma menina brasileira ouvira-o tocar, e agora era sua discípula e ia dar-lhe lições em casa. Embora de génio cordial e expansivo, que necessidade tinha de no-lo dizer?! Reparei que a voz lhe mudara de tom, velando-se de certa doçura e quebrando-se em reticências, ao mesmo tempo que baixava os olhos. E logo tracei o meu horoscópio: se a menina era realmente o que devia ser, linda, afável e prendada, amava com certeza aquele bonito rapaz, digno herói dum romance abençoado. Ele, por sua vez, se a discípula era a deidade que prometia, devia saber derribar todos os obstáculos até chamar-lhe sua e serem felizes. E, construído o enredo, fiquei tão certo dele como da luz que nos alumia. O domingo, festa do Pentecoste, ficou para nós data memorável pelo relambório e exaltação. Das três festas da Pena, Espírito Santo, S. Barnabé e Assunção, era aquela primeira por que eu delirava. Naquele ano, houve uma semana de grande solenidade com ladainhas à tarde em que cada um de nós, que tocava metais, fazia vibrar o seu instrumento com altívolo clangor. O largo coalhou-se de barracas de tendeiros e as casuchas, que os padres alugavam às famílias penitentes, regorgitavam de fiéis, como se diria da Estalagem do Perna de Pau numa novela de capa e espada. A cada momento chegavam votos e procissões das desvairadas partes da diocese. Acaso se não celebravam, com a descida da Pomba sobre a cabeça dos Apóstolos, a revinda à terra do sol equinocial e as pompas ressurrectas da Terra?! Tudo eram cantigas nos ares, e nos campos, das aves, dos insectos e das raparigas. A vizinha Sara cantava e recantava a fazer lindos chambres, e na horta, por baixo da camarata, um grilinho arpejava seu arrabil, por ora um arrabil trémulo, com longas síncopes, quase um tanger de ferrinhos por um anjo a cair de sono. – Vamos, meninos! – veio dizer, obra de meia manhã, o homem saragoçano aos filarmónicos amoravelmente engalfinhados ao Macedo Filho. – A procissão está a formar no Miradouro. Falta só o senhor Abade, e esse não tarda. Meninos!? – pensaram muitos. – Nós somos alguns meninos? Nós somos músicos. Os músicos que vão ganhar dinheiro. Dobre a língua, amigo de Penude! Ninguém se permitiu fazer qualquer observação à sem-cerimónia paternal do mordomo encartado. Mas o senhor Macedo, que chegou naquele instante, lhe deu o retruque: – Vá andando, patrãozinho, que a filarmónica lá vai ter. Todos nós sabemos muito bem qual é a nossa obrigação, sem esquecer a hora. Dentro de vinte minutos estávamos no Miradouro. Tínhamos descido debaixo de forma ao largo da feira, ordem, à frente homens de pêlo na venta, mulheres barbadas, e raparigas sólidas como granadeiros, ajoujados de rosários de castanhas, que lhes desciam do pescoço aos pés, na cabeça coroas de loureiro e alecrim, flores e palmas ao peito, e um tirso na mão de mimosa florida ou oliveira. E todos marchavam a passo ritmado, com uma gravidade impressionante, certos de cumprir um rito supremo misterioso e propiciador, que lhes comunicava um poder oculto. Tão estranho espectáculo, pelo imprevisto, imponência gloriosa e hermética primitividade, insuflou-nos o mais respeitoso entusiasmo. Luziam ao alto as cruzes antigas com tintinábulos e Cristos de saio entre lanternas, cingidos os vexilários de opa vermelha e roxa, consoante a confraria, e as bandeiras das irmandades com estupendas figuras pulcras ou hediondas, de mãos erguidas a abençoar, ou rabeando no fogo do Purgatório. Eram duas ou três freguesias, que se haviam agregado para beneficiarem de acompanhamento musical atrás de seus abades, todos gordinhos e de ar afável, no que rendiam as melhores graças a Deus. A uma pancada do bombo por Flaviano, rompemos com o pase-calle que sabíamos de cor e salteado. O Macedo Filho atirou duas notas de cornetim, claras e vibrantes como duas gaitadas num poldro. E a passo firme, cadenciado posto que moroso, fomos seguindo pálios e cruzes, soprando com denodo e catrapiscando as moças turdetanas, de lanugem no lábio e testa olímpica, arreadas das camândulas de ordem telúrica que eram as panateneias que na forma iam mais perto de nós. Quando a procissão se embrenhou no templo, retirámos tocando ainda uma mazurca que fez atropelar-se à nossa volta o poviléu azabumbado. Não sei que espórtula cobrou a filarmónica. Competiram-me 200 réis, uma fortuna ao tempo, que derreti em rebuçados.
Continuámos a consagrar à música as tardes de sábado e as manhãs de domingo. Macedo vinha num dia e regressava noutro. Nesses dias, um serão apenas, mal-humorado e sonolento, era para o alius, alia, aliud, os triângulos isósceles e escalenos. O Colégio estava à cunha e já se disputavam os lugares na banda. O Macedinho idolatrado revezava-se com o pai a ensinar-nos, como dizia o P.e Ireneu, a arte de Euterpe. Por fim, era em geral o filho que dava a lição. Mas não se detinha. Ela terminada, ala. Por ali fora no garranito, nem uma seta. Com ele, muito mais do que com o pai, não cabíamos no grande janelão, que olhava a Sul, a esmurrar os narizes contra a vidraça. Nos dias em que havia festa de igreja, compareciam os dois. O jovem Macedo pegava da flauta e, com o pai ao órgão, interpretava Palestrina. E a nave do templo convertia-se num céu aberto. Uma quinta-feira, dia santo de guarda, apareceu em burros albardados com colchas brancas e em éguas parideiras, rabo de espanejador, a sociedade de Sarçal de Cima. O comendador Apolónio Dias mandava celebrar no Santuário uma missa a instrumental em acção de graças a Nossa Senhora que se dignara salvar a sua consorte, D. Ausenda da Natividade, duma perniciosa que estivera a mandá-la desta para melhor. O espiritismo do brasileiro estava paredes meias com a macumba e a eucaristia. De modo que não era de estranhar de sua parte um voto ao Deus dogmático. Não tinha semelhante rabugem vingado no toro vassoirudo do castanheiro cristão? Na comitiva brilhavam, sem falar em minha santa mãezinha, a tia Maurícia e a velha ama Isabel do Rosário, o bom do P.e Xavier que foi o celebrante, cada vez melhor escopeta de perdizes e incorrigível batoteiro ao monte, mestre nos saltos a pataco e micos a tostão em casa do Sancho Guedes, os dois Barreiros, o Ceroula-Curta, a professora e o marido, o senhor Santos. Para esse dia auspicioso, a nossa banda, como se abordasse matéria nova, ensaiou-se e tornou-se a ensaiar. O Macedinho filho, para o oficlide, estanciava havia três dias no Colégio. P.e Xavier e Macedo tinham sido contemporâneos em Pinhel, discípulos do reverendo Uriote, aquele célebre padre-mestre que acendia tão bem lume friccionando dois pauzinhos, como batucando com os nós dos dedos nas cabeças de pederneira dos alunos. Foi ao padre que, ao evocar os bons tempos, ouvi a história dos dois canzarrões da serra da Estrela que, na estalagem da Hespanhola, varriam, lambiam e lavavam com língua minuciosa e rápida por detrás da porta, na copa, os pratos que tinham servido a uns hóspedes para em continente servirem a outros. Foi numa quinta-feira, depois da semana da Pascoela, que o Sarçal veio em peso até o Santuário da Pena. Os padres do Colégio, que aparavam as unhas rentes, ofereceram achas e fogão para aquentar aqueles dos pitéus que desmereceriam saboreados fora do seu ser térmico. Além disso, puseram-lhes à disposição o refeitório, depois de convidado o P.e Ireneu para presidir, e ainda, por direito próprio, o P.e Sulpício, nosso prefeito, que era vizinho e contubernal do comendador. Pois o melhor da festa foi este ágape em que se imolaram óptimos petiscos cozinhados na Roborosa, onde sobrevivia dos gerais nas Bernardas a tradição da velha culinária, e muita doçaria de Salgueirinho, que guardara paralela pragmática conventual, com receitas de se lhes lamber o beiço. E então de vinho não se fala, que até o senhor Guedes mandou meia dúzia de garrafas do Gerifalto, cógueda arisco e buliçoso, que fazia, deitado no copo, uma chilreada de melros. O gosto de minha mãe seria ter-me no regaço, se eu já não fosse tão grandinho e tais mimos celestes ao tempo para mim não equivalessem a enfados. Mas eu já perdera aquele frígido retraimento que a Isabel do Rosário chamava desapego e não era mais que a chocada estranheza da transplantação dum mundo espontâneo de liberdade e discrime para aquele regime de férula e culto artificial da pessoa, como empa recurva sobre a espaldeira da latada. A visita de minha mãe começava a ser-me agradável pelo facto mesmo da reacção que se ia operando em mim das boas forças instintivas contra as entorses eclesiástico-escolares. Tinha-se assentado ao fundo da mesa com a irmã e a boa serva, enquanto na cabeceira trocavam brindes afectuosos o P.e Xavier, já um pouco derramado, o P.e Ireneu, e mestre Macedo. O Macedinho, a certa altura, desertou, e pelo sorriso baboso do velho mestre e uma voz lisonjeiramente indiscreta do P.e Sulpício percebi que todo o tempo que estivesse apartado da discípula, a brasileira, lhe eram séculos. E eu quase odiei a sinhazinha melodiosa que nos roubava a presença do amigo. Estava-se nos papos-de-anjo, regados a vinho do Ceroula-Curta, digno da galheta dum cardeal, disse o P.e Xavier: – Ó Macedo, tu havias de me fazer uma missa cantada, aí para umas cinco vozes ou mesmo mais, que depois eu ensaiaria nas horas vagas com os colegas. Não sei se te lembras, eu tinha e tenho uma voz nada despicienda de barítono... – Voz de estentor – respondeu o maestro. – Não havia como tu para cantar o Alma de Dios. Quando se juntava a ti o Taborda, que era outro portento mas em falsete, acordavam os mortos no cemitério. Desataram todos a rir. P.e Xavier volveu a certa altura: – Então és capaz de me fazer essa missa? Tu tinhas bossa... – É coisa demorada, amigo. Demorada e nem sempre vem a inspiração... – Ora, ora! Para ti, fazer música é o mesmo que eu rezar os responsos... – Ou matar meia dúzia de perdizes – interpôs o P. e Sulpício. – Está enganado, colega! – replicou o P.e Xavier. – Matar uma perdiz exige mais conhecimentos que traduzir uma fábula de Fedro. Pequena risada, insuficientemente aplauditiva. – Pois, sim, sim – proferiu Macedo, é provável que desvanecido com a facúndia que lhe atribuíam. – E quem ganha o pão para minha casa? Não sabes que tenho de acompanhar a banda por festas e romarias?! – Maganão, dizem para aí que o teu rapaz vai casar com a filha do Nepomuceno, brasileiro, herdeira da maior fortuna do concelho… Macedo sorriu e no seu sorriso blandífluo, a descair no balofo, perpassou, mais que a perspectiva fagueira, a vaidade ou ternura paterna: – Não sei. Já o ouvi. O meu filho não me diz nada... – Pois é tudo cheio... – Será. Ele é que lhe vai dar lições de violino. Ou melhor, deu. Há coisa de duas semanas o senhor Nepomuceno despediu-o. – E acrescentou, vendo-se bem que esta indiscrição era obra do seu temperamento benigno, sem segundos planos, e devida um pouco aos fumos do genuíno Gerifalto: – Constou-me que o pai faz guerra de morte ao casamento, mas a menina chora e bate o punho. Persuado-me que levará a melhor. Quando as mulheres querem… O P.e Barros era amigo particular do Nepomuceno e teve um aparte que gelou o sorriso nos lábios de Macedo: – Bem vê, senhor Macedo, o pai não a quer dar a um rapaz, que pode ser muito prendado, mas não tem onde cair morto. Sob este aspecto, devemos concordar que tem a sua razão. Calaram-se todos e o velho em voz triste e abafada murmurou: – Meu filho é uma jóia de moço. A menina poderá ser uma santa, uma beleza e valer um condado. Não arranja melhor esposo. Sim, fortuna pede fortuna. O meu filho é pobre, mas é um artista de cara... Todo o instrumento ao fim de certo tempo se lhe torna familiar. Sobretudo é compositor. Só queria que conhecessem as pastorais que para lá tem...Decorreu mole e larvar um grande silêncio, e P.e Xavier, pegando do copo, em que um velho vinho do Porto, trespassado pela lançada crua da luz, derramava um brilho ofuscante de topázio, proferiu: – Vamos a beber! P.e Xavier ergueu o cálice à saúde da senhora de Apolónio Dias, que não comparecera, pelo melindre que havia a observar com a sua convalescença, posto que em bom caminho, louvores a Nosso Senhor, que tudo pode e manda. E, muito derretido e pingueiro, o comendador rompeu aos soluços como se por retrospecção agoirenta a visse no ataúde. Chocaram-se os cálices e breve as lágrimas de Apolónio se vidraram com os esmaltes cor-de-rosa do sorriso. E P.e Sulpício deitou mais uma rodada. Reiterou P.e Xavier: – Posso contar com a missa? – Talvez... Sabes, requer estudo... É também uma questão de oportunidade... e de vagar... Gostaria de fazer-te papa fina... – Pois, para missa pataqueira, basta-nos esta, do tempo da Maria Castanha. O ano que vem, temos o prelado de visita pastoral pelas freguesias da diocese. Gostava de apresentar-lhe coisa rija... que galvanizasse os devotos. – Está bem. Vou tentar...
Meses depois, pelas férias da Páscoa, na véspera de regressar à Pena, P.e Xavier chamou- -me a casa e disse-me: – O Alexandre faz-me um favor? Leva-me este pão-de-ló ao Macedo, o mestre de música...? Queria mandar-lhe umas perdizes, mas tenho andado com uma macaca, que até parece feitiço. Ontem saltou-me um bando, e não deitei uma abaixo. Deve ser das pólvoras que andam falsificadas… – Levo-lhe o que quiser. – O homem sempre me mandou a missa. Olhe, anda para ali – e mostrava-me um grande rolo, meio descarapuçado, donde emergiam as notas bem erectas e traçadas a primor nas linhas paralelas da pauta musical. – Chamei cá o Lucas dos Alhais... Não sei se o Alexandre sabe que é o melhor canário que há de Viseu para cima em cantorias de igreja. Dei-a também a ler, em Lamego, ao chefe da orquestra do Seminário. Ninguém lhe meteu dente. Ao fim de muito trabalho, este lá conseguiu solfejar um bocado do hosana. É uma coisa estapafúrdia de todo. O Macedo estava doido quando a compôs. E realmente, segundo me contaram, andava fora de si, empolado de todo. Compreende-se: o filho tinha armado a aboiz à filha do brasileiro, e por pouco lhe escapou. Olé! Foram atrás deles a tempo – a tempo, eu sei lá! – e engavetaram o raptor. Hoje o pai é o mesmo mísero que vive do ofício, por sinal magro nestas terras. Quanto lhe dará o Colégio? Nunca além dos seus dez mil réis por mês, imagino eu. E amarga-os, diga-se a verdade. O filho trazia a pequena do Nepomuceno presa pelo beiço. Mas pelo que ouvi ao meu colega de Aguiar, o P.e Secundino dos Anjos, que foi um dos que se meteram a morigerar a menina e a dissuadi-la de tão tolo fatacaz, vê-a por um óculo. Por modos apareceu um bacharel dos lados de Viseu de boa família, todo pinoca e bonitote, e é ele que há-de acabar por levantar a vaza. Sim, senhor. A missa foi por lá feita no período de euforia, quando o velho Macedo tinha o casamento do filho por favas contadas. Aquele hosana, de facto, parecia cem aldeias pobres a berrar à sorte grande que lhes caísse do céu ou então uma malhada depois de debulhar uma jeira farta. Quer que lhe diga? O maestro de Lamego abundou neste juízo mutatis mutandis:– Sim, sim, ponha lá que são os vindimeiros no lagar, meio bêbados, ao envasilharem o mosto... Não faz sentido! Com coisas sérias não se brinca. Só queria que o menino Alexandre ouvisse! Não serve... é uma maluqueira pegada! Leva-me o pão-de-ló ao pobre diabo? – E se não vem tão cedo à Pena? – O pão-de-ló espera uns dias, que se não estraga. Aqui para nós, com alguma coisa o havia de recompensar.
Dois dias depois do meu regresso à Pena, aconteceu vir dar lição de música aos colegiais o velho mestre. Se desprevenidamente o houvesse encontrado num caminho não o teria reconhecido. A pele do rosto, escalada sobre a armadura óssea, revestia-se de tons mortuários, agora duma perfeita lividez à Ribera. Os olhos não lhe derramavam luz. Dei-lhe o pão-de-ló e de princípio não atinou. Quando acentuei o recado, olhou para mim muito fito, e soltou uma casquinada de riso tão cava e sarcástica que me gelou. Quase me senti ofendido. Que queria aquilo significar? Não era mesmo desfazer do obséquio do excelente P.e Xavier, batedor de lebres, batoteiro ao monte, e boa goela a beber e cantar os latins?
Desapareceu de Aguiar o Macedinho filho. Para onde foi e não foi, morreu, matou-se, na vila e termo nunca se conseguiu apurar. O velho continuou a dar-nos lições de música e a reger a banda da terra por festas e arraiais, onde a rogavam a troco dum ratinhado salário. Nunca mais sorriu. Parecia, como nunca, fundido em bronze, a pele escura cada vez mais esticada sobre os malares e encarquilhada nas capelas dos olhos. Ao imediato conspecto, dava mesmo a impressão de defunto que se erguesse da campa. Derreado da coluna, cavavam-se-lhe na face fundas regueiras, dir-se-iam saguão das lágrimas. Passou a interessar-nos muito menos. Nós deixámos de amolgar as ventas contra a vidraça à espreita do seu vulto no caminho velho de Aguiar, entre o Miradouro e o pinheiro manso, lá onde o P.e Sulpício tinha riscado que nascia o Longa. Automaticamente nos ministrava o ensino e se dirigia a nós. E nós ouvíamo-lo tão automaticamente como recitávamos na aula de catequese: Os novíssimos do homem são três, mundo, diabo e carne. Não se tornara odioso, mas enfadonho. O mecânico das suas lições acabara por imprimir à própria música sonolência e não sei que espírito libertino da desafinação. Um sábado faltou. Orientou o ensaio o P.e Barros. Percebia tanto de harmonia como de francês, de que se tomara professor encartado. Mas era um dos que tinham a vara. De resto, a banda agora seguia por si, com umas ventosas do P.e Sulpício. Iam-se uns executantes, surgiam outros na sua esteira, e lá avançavam a ritmo inquebrantado. Os veteranos instruíam os pexotes. Noutro sábado o P.e Barros descaiu em esvaziar o saco das novidades. O velho Macedo enlouquecera. Estava liru de todo. Altas horas, Aguiar acordava a estrondosas volatas musicais. Era ele que subira para o coreto, com o seu cornetim, onde arrastava o compadre, que lhe permanecia fiel, primeira requinta, e tocavam ambos para a Lua, a noite, os ecos adormecidos, até amanhecer. E a voz altanada dos instrumentos parecia repetir a pergunta que a cada passo fazia, em casa e pelos caminhos, a Deus, que, segundo ele, assistia frio e conformado a todas as turpitudes e necedades dos homens: – Que fizeste do meu filho? O bacharel felizardo casara e entrara nas graças da menina. Era um par ditoso, e grato o comendador aos amigos, às boas almas, aos padres Barros e Secundino, que haviam contribuído para que a sua herdeira não caísse no precipício, que o mesmo eram as garras de um gajinho que, lá por possuir talento para a música e ser bem-parecido, não deixava de ser um borra-botas, senhor das nuvens e da sombra das paredes.
Um dia veio à Quinta do Gerifalto, a convite do Ceroula-Curta, um músico de nomeada. Era simultaneamente um curioso, investigador de velharias e bugiarias douradas. Foram a Sarçal, à quinta do Sancho Guedes, que ele espiolhou de cima a fundo, depois à igreja, donde lhe aconteceu ir dar ao presbitério. – Que é aquilo ? – perguntou para o bom P.e Xavier face a uma vasta copeira a abarrotar de coisas e loisas. Aquilo era, além dos apetrechos de caçador, polvorinho, chumbeira, cargas de chifre, invólucros de pólvora, sobretudo a papelada que ali se acumulava da freguesia numa ressaca de muitos anos, sermonários rotos, manuscritos, contas de pé-de-altar, breviários, ordenações da diocese, hinários antigos sem rosto, trinta por uma linha de um levita concomitantemente escopeteiro dos montes e cultivador de duas grades de terra. – E isto ? – e levantou a mão para uma folha de música. – É quanto resta duma missa cantada, feita por um doido. O resto foi-se em buchas para a espingarda. O visitante cravou os olhos na pauta e mentalmente pôs-se a lê-la. Era o Hosana. Depois de lê-la uma vez, releu-a, e por entre dentes se pôs a trauteá-la. E quantos ali estavam viram que, pouco a pouco, o maior exaltamento o empolgava e arrebatava para fora de si – Mas é genial o que aqui está! – exclamou ele. – Quem é o autor? Onde está o resto, senhor Abade? P.e Xavier referiu, desdenhando, quem era o autor. Só restava aquela página. Prestava? Não estava a mangar? Pois ninguém lhe dera importância, mas ninguém. – Este hosana é estupendo! – tornou o musicólogo. – É Wagner, mas do bom, o que aqui está. Que crime o senhor praticou, padre! Este fragmento é assombroso. As vozes vão num crescendo da mais original e maravilhosa polifonia e parece que tudo estremece e delira: as almas, os corpos, o céu e a terra. Os anjos saem de seu êxtase e cantam e dançam com os homens e os elementos. Morreu o autor? Que me diz? Morreu doido e foi sempre um pobre de Cristo!? Só assim se compreende. Oh, que pena não ter podido esse homem realizar-se, ter materializado, ou melhor dado asas a seus sonhos, que eram admiráveis! Como se chamava ele? – Macedo. – Só? – Não me lembro do resto do nome. – Macedo, Macedo anónimo, Macedo heróico, Macedo santo! – rompeu num estampatório, meio desvaire, meio romantismo, próprio dos seres, como sejam os poetas e músicos, que andam em desequilíbrio acima das coisas vulgares do mundo, estampatório que emparveceu o padre e seus familiares: – Ajoelho perante a tua alma errabunda e maldita! Mais uma que se afogou no pantanal! Vou erguer-te uma ara entre os ídolos e demiurgos que venero e que imploro nas horas de silêncio e dúvida! Ignorado artista, salve!
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
Hamburg's portuguese cemetery's
There have been frequent demands that both the Ashkenazic and Sefardic parts of this remarkable cemetery should be the subject of scientific research. While the (larger) Ashkenazic part has still not found the interest it deserves, historians, linguists, art experts and genealogists have been fascinated by Hamburg's Portuguese cemetery for almost a century and have published important studies or written valuable manuscripts. These studies however only dealt with a few aspects of the cemetery and for a long time comprehensive research seemed impossible due to lack of funds. During recent years, however, the situation has changed and detailed study of this important Jewish cemetery can now begin next year.
The conditions for thorough scientific research into the cemetery are extraordinarily good: Many important documents have been preserved in the Hamburg state archives, the Institute for the History of German Jewry, the Department for the Protection of Historical Monuments and the private Halévy archives. These include books of records, registers of births and deaths, a list of Ketubbot, genealogical charts etc. Furthermore, there are thousands of photographs taken during the war(!) which today are an invaluable source of information in view of the destruction of many of the gravestones. In the early nineties the Department for the Protection of Historical Monuments commissioned the restoration of numerous gravestones. The photographs taken during this work also constitute a unique source for later study. In 1998 I discovered in the archives of the Jewish Community in Hamburg more than a thousand record cards with photographs of the Ashkenazic part of the cemetery which were taken shortly after the Second Word War. Hopefully more of these unique documents will reappear in time.
Since I began my work on the cemetery, by the Hamburg Institute for the History of German Jewry the following studies have been published or will soon be completed:
(1) Since 1994 a comprehensive Biographical Lexicon of Hamburg Sephardim compiled Hamburg Institute for the History of German Jewry. In this lexicon which includes only the Portuguese Jews buried in the Königstrasse cemetery between 1611 and 1877, the life stories of approx. 2,600. In addition to the dates of birth and death and other relevant facts of family history, all non-Hebrew have been included and printed with a German translation. Further there are about 850 Hebrew with their German translation. There is supplementary information about the type of stone used, the topographical position and a detailed description of all artistically relevant features. This combined biographical - epigraphically - art history lexicon will be published in summer 1999.
2. The second volume of the scientific book series is The Sephardim in Hamburg. The History of a Minority edited by myself, deals largely with the cemetery in Königstrasse. A further volume to be published in two years time is devoted exclusively to Sefardic gravestone art.
3. In a number of essays I have written about the epitaphs - epigraphic material in the Portuguese cemeteries in Hamburg and Gluckstadt. These epitaphs contain a wealth of genealogical information with which gaps in family histories can be closed. The next two volumes in the series ‹The Sephardim in Hamburg› will investigate the Portuguese communities in Altona and Glückstadt and on sefardic sepulchral art. In two years the book ‹The Jewish Cemetery in Glückstadt› will be published on which the historian Kay Blohm, the photographer Jürgen Faust and Michael Halévy are currently working.
4. In co-operation with photographer Jürgen Faust, who has been taking photographs of the cemetery for two years, the book ‹Betahaim› Sefardic graves in Schleswig-Holsteinî. The text is richly illustrated with over a hundred photographs of the artistry of grave masons in the Portuguese cemeteries in Königstrasse and Glückstadt. The photographs printed in this book are part of an exhibition of photographs, which were shown in autumn 1997 in the Jewish Museum in Rendsburg and in spring 1998 in the Jewish University in Hamburg. In autumn 1998 the exhibition will go to Münster and later to Israel and Portugal.
5. For an essay I compiled and studied the aspects of the images and on the Portuguese graves in Hamburg.
6. During the last years these unique graves have unfortunately fallen into a considerable degree of decay and quite a few have been severely damaged by vandalism. Now we have succeeded in co-operation with the authorities in Hamburg, the Jewish Community, the Department for the Protection of Historical Monuments, the Association of Former Hamburg Citizens in Israel and some, in putting together the necessary funds to finance studies of the Jewish cemetery in Königstrasse and also to undertake necessary restoration procedures. There are also plans to make casts of the graves of important and graves, which are of particular artistic value. Professor Michael Brocke of the University of Duisburg and the Salomon Steinheim Institute in Duisburg has been asked to make a scientific study of the cemetery. Professor Brocke, who is one of the most renowned researchers of Jewish cemeteries and Jewish epigraphs, will probably commence this study with his co-workers next summer.
7. Together with Michael Brocke and Gaby Zürn I have been asked by the Hamburg Historical Monuments to publish an illustrated guide to the cemetery. This guide will include both the Ashkenazic and Sefardic parts of the cemetery and will give an introduction to the history of the Jewish communities in Hamburg, of the cemetery itself, of Jewish law funeral as well as a map of the cemetery showing the position of certain important graves. This book will be published in autumn 1999.
8. In the next few years we are planning in co-operation with the Moses Mendelssohn Academy (Halberstadt) and the Warburg Library (Hamburg) to hold three colloquiums on : (a) Jewish sepulchral art (b) The Sephardim in the Shoa (c) Sefardic genealogy.
After completion of this work we will hopefully know more about the Portuguese Jews who lived in Hamburg, their connections to other centres of the Marrano Diaspora such as Amsterdam, London, Venice, Curacao, Jamaica and Barbados. So far no such detailed studies have been made of any of these cities or regions and it is to be hoped that Amsterdam will follow our example and publish the long awaited lexicon of the grave epitaphs inscriptions of Ouderkerk in the next few years.
Pig's cá da terra
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Viva o Benfica
Exige-se que hoje o glorioso reponha a moral e ganhe o balanço necessário para ganharmos o título de campeoes nacionais 2006 / 2007. Temos a melhor equipa da Liga !
Vamos ver se o treinador nao inventa muito porque de vez em quando parece que anda a dormir. É preciso ter cuidado com os romenos que nao sao nenhuns anjinhos. Vamos apoiar os nosso meninos ! Viva O Benfica
Zé da Neta
terça-feira, janeiro 16, 2007
Find your puppy ...
www.pulodolobo.blogspot.com
These dogs are small in stature but wide and compact with thick, massive heads. The muzzle is short and pug. The coat comes in many colors, including fawn, white, black & brindle. Black is undesirable in the show ring but not a disqualification and is recognized by the AKC. Because the stocky legs are set squarely at each corner of the compact, muscular body, the Bulldog's deliberate gate has become a waddle. They are good family dogs, known for their courage and their excellent guarding abilities. A lot of human attention is needed for Bulldog happiness. These dogs need little exercise or grooming except for the face which should be wiped daily in the face folds with a damp cloth. They weigh 53 to 55 lbs. and stand 12-16" at the shoulders.
Zé da Neta
Bukowski
www.pulodolobo.blogspot.com
En el barrio de mis andanzas infantiles/juveniles, en la jerga estar fuera de circulación era estar en prisión (encanao) o haber muerto. Charles Bukowski murió, pero poco antes pergeñó unas páginas que conformarían un libro póstumo: El capitán salió a comer y los marineros tomaron el barco.
Bukowski pertenecía al submundo citadino y como es lógico todo su trabajo literario está impregnado de fuertes olores, prostitutas, chulos, borrachos, malvivientes, sobrevivientes y mujeres hermosas algo desequilibradas. En lo particular, más que las tramas de sus novelas, o esos fritos personajes que pululaban en sus cuentos, me cautivaban los títulos. Tenía un pulso especial para titular sus libros. Así tenemos La máquina de tirar, Cartero, Escritos de un viejo indecente, Cuentos de la locura corriente.
Escritor maldito. Genio a su modo. Peleador callejero. Empleado en algunos oficios como cartero o limpiabotas. Escribir no fue una manera de alejarse del suburbio, sino una forma fría y sin remilgos de realizar un retrato de ese universo que sabía de memoria y que él escribió como era lógico totalmente ebrio.
En El capitán salió a comer... se presenta como un escritor con ordenador. Los excesos y la vejez han hecho sus estragos respectivos. Aquietado y menos febril que antaño ahora vive de los derechos de autor de sus libros traducidos a varios idiomas. El libro pasa revista a su vida cotidiana con cierto tinte idílico. Mucho escenario doméstico para mi gusto. No obstante sigue escribiendo con desengañada ferocidad: “Es probable que haya escrito más y mejor durante los 2 últimos que en ninguna otra época de mi vida. Es como si después de 5 décadas de hacerlo me hubiera adecuado más a hacerlo de verdad!”. “Hoy me han llegado las pruebas del nuevo libro. Poesía. Martín dice que serían unas 350 páginas”. “Bueno, mi 71r año ha sido un año terriblemente productivo. Es probable que haya escrito más palabras este año que en cualquier otro de mi vida”.
Aparte de escribir se dedicaba a visitar el hipódromo como buen ludópata. La lectura de este breve libro nos enfrenta con el Bukowski reflexivo, con el escritor entretejido de crepúsculo, pero no del todo acabado aunque si algo fuera de foco y mortalmente cotidiano.
Lo que me reconcilia con Bukowski es que es un sobreviviente del alcohol, las peleas que protagonizó en bituminosos tugurios, de su vida llena de sexo, poesía y asco. No le gustaba Tolstoi. Como a mí no terminan de gustarme del todo sus libros. Es que siempre me pareció un Henry Miller desencuadernado. Este libro resume en parte su pelea en contra de la existencia o como él lo escribe: “El capitán ha salido a comer y los marineros tomaron el barco. ¿Por qué hay tan poca gente interesante?... Parece como si su único acto posible fuera la violencia. Eso se les da muy bien. Les hace florecer de vida. Flores de mierda, apestando nuestras posibilidades”.
Luego que el viejo indecente dejó el suburbio va apareciendo nuevos nombres en la narrativa norteamericana como Jonathan Safran Foer, Dave Eggers, Jhumpa Lahiri, Chuck Palahniuky sólo nombro a unos escritores que darán que hablar. De Palahniuk he leído un cuento titulado “Tripas” que tiene algo de bizarro, que tiene mucho de esos cuentos de Bukowski donde lo asqueroso se da la mano con el estilo tembloroso de dipsómano. El final de su cuento “Escritores” podría servir ahora: “Chicas, contestaría él si pudiese, esto es la frase simple, sin confusiones, el diálogo realista. Ésta es la forma en que debe hacerse. Y sólo podréis besar mi fea cara con los dientes amarillos en vuestros sueños. Yo ya estoy comprometido. Follawski sacó la última página de la máquina, la unió con un clip a las otras y luego buscó un sobre de papel manila. Ésa era la parte más pesada del trabajo de ser escritor: meter lo escrito en el sobre, poner la dirección, pegar el sello y enviarlo, después, por correo. Y normalmente le llevaba un par de copas de vino rematar una de las formas más bonitas que se han inventado para pasar la noche. Se sirvió la primera”. Decir salud es un topicazo del coño.