Resignaçao
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Como todas as mulheres da montanha, que no meio do gosto do amor enviuvam com os homens vivos do outro lado do mar, também ela teria de sofrer a mesma separação expiatória, a pagar os juros da passagem anos a fio, numa esperança continuamente renovada e desiludida na loja da Purificação, que distribuía o correio com a inconsciente arbitrariedade dum jogador a repartir as cartas dum baralho. -O teu homem tem-te escrito, Maria? - perguntava o prior de Páscoa a Páscoa. -Ele não, senhor. Há quinze anos... Não acrescentava a mínima queixa à resposta. Fiel ao amor jurado, deixava que todos os encantos lhe mirrassem no corpo, numa resignação digna e discreta. Com o filho sempre agarrado às saias, como um permanente sinal de que já pagara à vida o seu tributo de mulher, mourejava de sol a sol para manter as courelas fofas e gordas. Depositária do pobre património do casal, queria conservá-lo intacto e granjeado. Se o outro parceiro desertara, mais uma razão para se manter firme e corajosa ao leme do pequeno barco. -Nada, Maria? - O prior já nem se atrevia a alargar a pergunta. -Nada. Respondia sem revolta ou renúncia na voz. Objectivava a situação, lealmente. O que sentia por dentro era o segredo da sua serenidade.
M. Torga
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